Tempos inesperados

(Nota enviada para a Revista do Instituto da Defesa Nacional a 3 de abril de 2020)

Antes do final de 2019, nenhum médico, nenhum especialista e nenhuma “bola de cristal” admitiu a emergência iminente de uma nova estirpe de vírus, de uma nova doença, de uma nova Epidemia e, do mesmo modo, de nenhuma nova Pandemia, apesar de alguns manifestos acerca desta ameaça (até a título de ficção). Uma imensa diferença quando comparada com a meteorologia que, por exemplo, prevê a aproximação de um furacão e monitoriza a sua força à medida que se aproxima …

As Ciências Médicas estão muito longe de atingirem a capacidade de antecipação. Lidam com fenómenos inesperados. Assim aconteceu, primeiro, em 1980 com a SIDA (que antes, comprovadamente, não existia como doença) e depois, em 2003, com a Síndrome Aguda Respiratória Severa (SARS), provocada por um Coronavírus, e dez anos a seguir com a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS), originada também por um Coronavírus. Três agentes virais novos e três doenças novas. Todas inesperadas.

Ora, perante estes cenários, há que admitir, antes de tudo, que a Ciência não explica, ainda, em termos do Conhecimento, a Virologia. Há muito por esclarecer. Investigar. É preciso, portanto, desenhar planos e projectos de contingência e, naturalmente, estar preparado para a reemergência de problemas velhos, mas também, para a ocorrência de novos. Uns e outros com a marca de acontecimentos inesperados.

Provavelmente, este facto de surgir repentinamente sem preparação prévia estará na origem de maior ansiedade por parte das populações, nomeadamente as mais vulneráveis. É verdade que a vulnerabilidade pode ser consequência de riscos diversos. Antes de mais, a idade acima dos 70 anos, mas também a presença de comorbilidades, como a diabetes, insuficiência renal crónica, respiratória ou problemas do foro cardíaco, que agravam a evolução clínica da infeção pelo Coronavírus.

Apesar da infeção, no contexto da Pandemia provocada pelo Coronavírus, não distinguir pobres e ricos, não ter em conta os rendimentos familiares, nem o estatuto social ou político, a pobreza é sempre um factor de risco que não pode ser ignorado. Motivo pelo qual a mobilização da Sociedade tem que ter sempre em consideração, sempre, sublinhe-se, a condição social da população a proteger. Se necessário será preciso discriminar, mas de forma positiva. Isto é, discriminar no sentido da igualdade. Sempre.

Francisco George
Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa