A Pasta da Saúde nos Governos Provisórios

Em regime democrático, a seguir à Revolução de 1974, a pasta da Saúde foi, inicialmente, confiada a um Secretário de Estado. Na altura, a orgânica governamental estabelecia que o Ministério dos Assuntos Sociais juntava as áreas da Segurança Social e da Saúde sob tutela do mesmo ministro.[1]

Neste contexto, o I Governo Provisório, presidido por Adelino da Palma Carlos, nomeou o economista Mário Murteira como Ministro dos Assuntos Sociais e o médico dos Hospitais Civis de Lisboa, António Galhordas, como Secretário de Estado da Saúde. Era cirurgião, chefe de equipa do Banco de São José. Reunia grande prestígio quer entre colegas quer nos meios da Oposição à Ditadura. Era reconhecido não só pela sua inteligência, como também pela clareza do seu pensamento sobre a reforma do sistema de saúde que advogava.

Nos II e III Governos Provisórios do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, Maria de Lourdes Pintassilgo foi nomeada como Ministra e o major médico da Força Aérea, Carlos Cruz e Oliveira, como Secretário de Estado. Este médico do MFA viria a notabilizar-se por ter lançado uma ampla discussão pública sobre as bases do futuro Serviço Nacional de Saúde. Neste quadro, em Novembro de 1974, organizou a publicação do célebre livro de capa cinzenta que foi preparado pelo seu Gabinete em conjunto com uma equipa de especialistas da DGS e da Escola Nacional de Saúde Pública liderada por Lopes Dias. Para além desta iniciativa que, aliás, estava prevista no Programado MFA, é a Cruz e Oliveira que se deve a criação do Serviço Médico à Periferia, então tornado obrigatório para os médicos que pretendiam prosseguir a carreira nos serviços públicos.

No IV Governo Provisório de Vasco Gonçalves, foi Jorge Sá Borges que ocupou a pasta dos Assuntos Sociais e o médico dos Hospitais Civis de Lisboa, Carlos Macedo, como Secretário de Estado. Para além de destacado político, Macedo era um prestigiado neurologista dos Hospitais Civis.

No V Governo Provisório, também liderado por Vasco Gonçalves, Francisco Pereira de Moura é o Ministro dos Assuntos Sociais e o médico neurocirurgião do Hospital Júlio Matos, Artur Céu Coutinho, é designado para o cargo de Secretário de Estado. Foi neste período que as receitas de medicamentos, então em uso exclusivo nos Serviços Médico Sociais das Caixas de Previdência, passam a ser utilizadas nos serviços de saúde.

No VI Governo Provisório, sob a chefia de Pinheiro de Azevedo, é Sá Borges o titular dos Assuntos Sociais e a seguir Rui Machete; Carlos Macedo e Albino Aroso, são, respetivamente, os Secretários de Estado da Saúde. Albino Aroso manteve uma longa carreira sempre associada à Saúde da Mãe e da Criança. Foi o primeiro a criar consultas de planeamento familiar de acesso simples e gratuito em toda a rede de centros de saúde. Mais tarde, viria a defender e a regulamentar a lei da interrupção voluntária da gravidez. Sem exageros, pode afirmar-se que a descida rápida da mortalidade infantil é devida às políticas de proteção das mulheres e crianças que conduziu com grande coragem. Albino Aroso ocupa, justamente, um lugar de especial relevo na galeria dos médicos mais distintos, desde sempre, em Portugal.

Ora, repare-se que os governos provisórios tiveram uma duração limitada, desde 16 de Maio de 1974 até 22 de Setembro de 1976. Neste curto período de tempo, sucederam-se dois presidentes da República[2], três primeiros-ministros, seis ministros dos assuntos sociais e seis secretários de Estado da Saúde. Em poucos meses e apesar da brevidade de cada um dos mandatos dos seis governos provisórios, a Saúde Pública mudou no País.

Foi um grande salto em frente. Imensa diferença entre o antes e depois.

Portugal de 1974, pobre, com muitos analfabetos, sem infraestruturas de saneamento básico, com a sua capital confrontada com epidemias de cólera, com elevada taxa de mortalidade infantil de 45 por mil, com o sistema de saúde centrado em hospitais mal equipados e dependente das Caixas de Previdência e das Misericórdias, consegue, em poucos meses, com sucesso indiscutível, construir os alicerces do futuro Serviço Nacional de Saúde.

Francisco George
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[1] O Ministério da Saúde foi criado em 1983.

[2] António Spínola, primeiro e depois Costa Gomes