Lembrete sobre Varíola e Monkeypox (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 1 junho 2022

A varíola era uma doença que existiu, mas que já não existe. Em 1980, foi erradicada pela vacinação.

Era uma doença com manifestações cutâneas, quase sempre, muito exuberantes que permitiam o diagnóstico rápido, sobretudo em contexto epidémico. Nem sempre tinha a mesma gravidade, visto que, por vezes, o quadro clínico era mais ligeiro. Em Portugal, esta forma minor foi designada de “alastrim”, enquanto que a erupção intensa era conhecida, em linguagem popular, como “bexigas”.

No tempo antes de 1980, as epidemias de varíola eram devastadoras como causa de morte e de doença, em especial de cegueira, quando as lesões atingiam os tecidos oculares. A par da peste, da cólera e da tuberculose, a varíola integrava o grupo das doenças consideradas como major killers.

A varíola era uma infeção exclusiva de seres humanos, sublinhe-se. Nunca houve varíola em animais, nem sequer em macacos. As próprias pessoas doentes eram o reservatório do vírus. Eram elas que transmitiam a infeção por via respiratória, à distância ou por contacto direto com as lesões.

No mundo de hoje, não há varíola. Persiste, no entanto, em África, uma OUTRA doença, mas animal, em macacos e em roedores que é provocada por um vírus aparentado, do mesmo género, mas com genoma diferente: o vírus da monkeypox ou também designado pela sigla VMPX. Há duas estirpes distintas deste vírus: uma descoberta nos roedores e símios da África Ocidental e outra nas florestas do Congo (ex-Zaire). A primeira é menos agressiva. As estirpes do vírus da monkeypox, bem como a doença animal que causam, ainda permanecem porque, naturalmente, nunca houve vacinação de macacos…

Porém, o vírus da monkeypox pode, em situações raras, transmitir-se a seres humanos em consequência de contacto próximo com animais infetados, sobretudo em pessoas sem a vacina contra a varíola. Uma vez adquirida, a infeção humana por VMPX pode gerar cadeias de transmissão, nomeadamente em pessoas não protegidas pela vacina antivariólica.

Isto é, nesses casos, a infeção animal foi adquirida por seres humanos.[1] Por isso, é errado designar que determinada pessoa tem “varíola dos macacos”. O vírus monkeypox quando provoca uma infeção humana deve ser designada como DOENÇA DO VIRUS MONKEYPOX (e não “varíola dos macacos” porque nem é varíola nem em macacos). Aliás, por analogia, este é o método seguido para designar a infeção humana do Ébola que é uma zoonose: doença do vírus Ébola, porque Ébola é o nome do vírus e não da doença…

Agora, como noticiado, há um surto da doença do vírus monkeypox que foi recentemente confirmado, em pessoas sem a vacina contra a varíola, em Portugal e, também, no Reino Unido, Espanha, Suécia, Bélgica e Estados Unidos da América, entre outros países.

Antes de tudo, há a realçar a rapidez do diagnóstico clínico e laboratorial, incluindo, pela primeira vez, a sequenciação do genoma do vírus, alcançada pelos especialistas do Instituto Ricardo Jorge. Um sucesso.

Foram perfeitas as respostas conjuntas, em termos de qualidade e sem demoras, tanto de médicos, enfermeiros, gestores, como de cientistas. Um orgulho.

O ganho para toda a Sociedade é bem evidente quando há boa articulação entre as unidades do Serviço Nacional de Saúde, incluindo DGS e Instituto Ricardo Jorge.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Zoonose é a expressão dada a doenças comuns a animais e seres humanos.