No Avião?

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 8 fevereiro 2023

(conto baseado em acontecimentos verídicos)

Como se sabe, a vacinas devidamente administradas são essenciais para evitar determinadas doenças. As crianças, uma vez imunizadas, ficam protegidas para as infeções alvo das vacinas. Assim acontece em todo o mundo e, naturalmente, em África.  São exemplos de doenças evitáveis o tétano neonatal ou o sarampo.

Era uma vez, em 1975, logo nos anos que se seguiram à proclamação da Independência nas Colinas do Boé, as crianças da Guiné-Bissau nascidas em pleno mato, na savana tropical, começaram a ser sistematicamente imunizadas na perspetiva da redução da mortalidade infantil. Para tal, a médica pediatra, Alice, dedicou-se a conceber um meticuloso programa que foi desenvolvido com apoio da UNICEF e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os cuidados começavam ainda durante a gravidez das mães com o fornecimento de um KIT para assistência ao parto. A Drª Alice era de Angola, mas casada com um dirigente do novo Governo Guineense. Por isso, tinha residência permanente em Bissau. Trabalhava muito. Sempre muitíssimo educada, tanto a sua competência profissional como a sua amabilidade eram reconhecidas unanimemente.

Poucos anos depois, foi preciso ir ao Leste para apoiar os trabalhos aí em curso e avaliar a evolução do Programa de Vacinação. Então, meticulosamente, Alice preparou documentação e mantimentos simples. Foi acompanhada por um dirigente do Ministério da Saúde Pública e por um consultor da OMS de nacionalidade portuguesa. O motorista do potente jeep Land Rover encheu os depósitos suplentes com carburante e organizou a saída pelas 6 horas da manhã do dia seguinte. Era o mês de Janeiro, como sempre associado a clima ameno. Adivinhava-se que a viagem e estadia iriam decorrer sem problemas. Era necessário encerrar os dados do ano anterior, bem como as contas do projeto para serem apresentadas à Cooperação do Quebec que ali financiava as operações de Saúde.

A travessia do Rio Corubal foi aventura tranquila. A barcaça parecia estar à espera da equipa da Drª Alice na margem direita. Uma vez no Boé, iniciaram-se as visitas às tabancas, só atrasadas por grupos de dezenas de macacos que dificultavam o andamento do jeep. Todos ficaram três noites na região.

No final dos trabalhos, um dos dirigentes locais, sugere o regresso de avião porque o voo da Companhia Guineense que fazia a viagem Conacri para Bissau tinha aí uma curta escala. O avião era um Dakota que a Força Aérea Portuguesa entregara ao Governo do PAIGC. Era pilotado por um cooperante civil muito experiente a aterrar na pista do mato, depois de afastar cuidadosamente os animais que aí pastavam.

Então, a Drª Alice foi convidada para ser a primeira a embarcar no avião, seguida pelo Consultor da OMS. Depois de fechada a porta, eis senão quando, o Piloto levantou-se e pediu ajuda aos passageiros para saírem e empurrarem o avião porque não conseguira por os motores a trabalhar. Assim aconteceu. Uns tantos passageiros foram empurrar a aeronave que imediatamente deu sinal pelo movimento das hélices.

Antes de levantar voo, Alice exclama para o seu Colega:

– Então tu vais no avião que pega de empurrão? Não tens medo?
– Oh, Alice, tenho pressa de regressar para ver minha mulher e filhos!
– Olha, eu cá não vou. Volto de jeep!

Epílogo:

Ele e ela chegaram a casa. Ele antes e ela depois.
Ninguém acreditou no episódio.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com