Terramotos (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 22 fevereiro 2023

Os relatos sobre o Terramoto de 1755 levariam muitos dias a chegar às capitais europeias. As notícias acabariam por ser transmitidas pelos viajantes que navegavam para as cidades portuárias pelas habituais rotas marítimas ou, por via terrestre, transportados em coches puxados por cavalos que atravessavam a Península e depois alcançavam Paris.

Na altura, a capital francesa vivia um ambiente político e social marcado pela influência de movimentos reformadores que surgiram depois da morte do rei Luís XIV, em 1715. Era a época do Iluminismo. Era o tempo das luzes, assinalado pelas ideias iluminadas de pensadores insignes.

Em Paris, a célebre Enciclopédia começara a ser publicada em 1751, quatro anos antes do Terramoto. Ao redor dos seus dois principais autores, Denis Diderot e d´Alembert, juntaram-se numerosos intelectuais, cientistas e filósofos. Acreditavam poder melhorar a sociedade pela promoção do conhecimento racional, pela cultura da verdade e por transformações progressistas das instituições. Entre os trabalhos, então produzidos, sobre os trágicos acontecimentos de Lisboa, destacam-se: um ensaio do médico português Ribeiro Sanches (1699-1783) e um poema escrito pelo filósofo francês Voltaire (1694-1778).

O texto de Ribeiro Sanches sobre os Terramotos é muito interessante. Foi escrito em Paris, ao que parece no seguimento de pedido formulado pelo ministro Sebastião José Carvalho e Melo que para efeito terá enviado um emissário entregar-lhe uma bolsa para pagamento dos honorários devidos, uma vez que na sua perspetiva era urgente explicar à população a origem do fenómeno.

Ribeiro Sanches foi um português de exceção. Uma figura ímpar da cultura e da ciência europeia do século XVIII. Nascera em Penamacor na viragem do século, em 1699. Médico formado em Salamanca, em 1724, exerceu a seguir em Benavente (1724-1726). Perseguido pela Inquisição fugiu de Portugal, tendo percorrido os mais importantes centros universitários da Europa. A partir de 1731 foi médico na Rússia e da Corte da imperatriz Ana Ivanowna, bem como de Pedro III e Catarina II. Em 1747, por sua iniciativa, passou a residir em Paris onde viria a morrer, 36 anos depois, sem nunca ter regressado a Portugal. Amigo próximo dos mais notáveis enciclopedistas, contribuiu para a sua realização. O tema sobre Maladie Vénérienne Inflammatoire Chronique é da sua autoria. A sua vida foi dedicada à Medicina. Escrevia muito. Promovia Ciência. Os seus estudos deviam ser mais divulgados em Portugal pelo significado que ainda hoje representam na História da Ciência e da Cultura.

Sanches foi o primeiro médico a redigir um livro sobre Saúde Pública. Escreveu-o na sua língua materna com o título: “Tratado da conservação da saúde dos povos: obra útil e igualmente necessária a magistrados, capitães generais, capitães de mar e guerra, prelados, abadessas, médicos e pais de família”. Ora, é este seu trabalho que inclui no final o ensaio “Considerações sobre os Terramotos, com a notícia dos mais consideráveis de que faz menção a História, e deste último que se sentiu na Europa no 1 de Novembro de 1755”.  O Tratado foi publicado, em 1756, em Paris e vendido em Lisboa nos principais mercadores de livros, depois de aprovado pelo Santo Ofício.

Curiosidade: Já em 1756, edições piratas, impressas em Lisboa, eram vendidas ao estilo das fotocópias de hoje…

Francisco George
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