Terramotos (III)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 1 março 2023

Já aqui se escreveu sobre a importância do pensamento do português Ribeiro Sanches na Medicina e na Filosofia europeias durante o século XVIII. Foi, a esse propósito, mencionada a colaboração estabelecida entre ele, que residia em Paris, e o ministro Sebastião José, em Lisboa.

Não obstante a distância e a dificuldade de correspondência entre as duas cidades e, apesar das marcadas diferenças ideológicas entre eles, as recomendações formuladas por Ribeiro Sanches para a reedificação de Lisboa foram atendidas pelo futuro Marquês de Pombal. Ainda hoje, a “sua” Baixa Pombalina reflete as medidas inovadoras de higiene urbana então descritas e preconizadas pelo sábio português de Paris para reconstruir a capital devastada pelo Terramoto.

Precise-se.

Nas páginas que Ribeiro Sanches escreveu, em 1756, ao longo do Capítulo XII do seu Tratado, dedicado ao “Interior das cidades e como devem ser os seus edifícios para a conservação da Saúde”, com base em exemplos que analisa concluiu que: “nas cidades e vilas mais cultas os Magistrados começaram a reformar aqueles defeitos, ordenando fabricar as  ruas largas e direitas que terminam em grandes praças, depois de terem mandado cobrir por calçadas consistentes, assim como também as casas de pedra e cal com telhados tão firmes que resistem à chuva e com algerozes e aquedutos para dar saída às águas, juntamente com a limpeza das ruas, corrige-se em parte a corrupção do ar das cidades de tal modo que depois de cento e cinquenta anos raras vezes se observou o estrago da Peste na Europa”.

Por outro lado, já sobre a interpretação da natureza dos abalos sísmicos, os contributos de Ribeiro Sanches são imprecisos e apresentados sem fundamentação científica. Julgava, erradamente, que os “terramotos, os vulcões, os relâmpagos, trovões, raios e tempestades procedem da mesma origem. Ou no interior da terra ou na atmosfera as matérias sulfúreas, betuminosas, e ferruginosas se misturam com sais ácidos e vapores, juntamente com o calor central…”.

No entanto, as considerações que formulou, se bem incorretas, terão tido o mérito dos portugueses perceberem que não foi apenas Lisboa a ter sido destruída com abalos, uma vez que ao longo da história da humanidade ocorreram muitas catástrofes semelhantes que Ribeiro Sanches refere. Alude aos anos e locais onde ocorreram terramotos desde a Antiguidade.

Ora, no mesmo ano, em 1756, o filósofo iluminista francês Voltaire escreveu o célebre “Poème sur le désastre de Lisbonne” inspirado pelos efeitos da medonha destruição provocada pelo Terramoto. A obra traduz as suas ideias anticlericais e a revolta que sentia por não encontrar explicação racional para o monstruoso castigo imposto aos portugueses pelo Desastre de Lisboa, enquanto em Paris se dançava…

O Poema de Voltaire coloca muitas críticas e interrogações por não admitir que os vícios cometidos pela população de Lisboa seriam diferentes dos vícios dos londrinos ou dos parisienses. Não encontra justificação para ter acontecido o Terramoto em LISBOA. Os seus versos contrariam frontalmente as posições defendidas pelas teorias do “TUDO ESTÁ BEM”, uma vez que as evidências demonstram, para ele, precisamente o contrário.

A título de recomendação final:

É quase obrigatório ler e reler a tradução de Vasco Graça Moura do Poema de Voltaire, em edição da Alêtheia de 2012.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt