Ação Social (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 29 março 2023

(conto em 4 cenas baseado em eventos reais)

PRIMEIRA CENA: A PERGUNTA DO NETO

Em Beja, no largo do Museu, há uma imponente estátua, com 3 metros de altura, esculpida em bronze.

Um dia, uma criança de 7 anos, ao passear pela mão do avô, perguntou-lhe:

– Ó Avô, quem é esta mulher tão grande?

– Ó Tiago, essa estátua representa uma rainha que era bejense como tu, mas que nasceu, aqui mesmo, há muitos, mesmo muitos, anos. Há séculos!

– Ó Avô, então não morreu!

– Não, Tiago, mas é uma história parecida. Morreu como toda a gente. Isso é certo. Mas houve pessoas, como ela, que fizeram tanto por Portugal que continuam a ser lembradas, apesar de terem morrido. É como se fosse um grande agradecimento que fica para sempre.

– Ó Avô, então conta a história daquilo que ela fez!

– Muito bem, respondeu o Avô, pedindo para se sentarem os dois no banco ao ar livre, porque a narração era longa e começava como todas:

Era uma vez, há muitos anos atrás, em 1498, na mesma altura em que Vasco da Gama alcançou a Índia navegando pelos oceanos, a rainha Leonor ordenou a criação da primeira Misericórdia, em Lisboa, seguida de muitas outras em todo o Reino, incluindo no Baixo-Alentejo. E essa foi uma grande ideia para a época!

Leonor nascera em Beja, em 1458, já como princesa da Casa de Avis, mas foi tornada rainha pelo casamento com o seu primo, que viria a ser o rei João II. Era irmã do rei Manuel I. Já viúva, conhecida como a “Rainha Velha”, promoveu a fundação de uma extensa rede de casas de caridade.  Tudo começou pela instalação de uma confraria numa capela dos claustros da Sé de Lisboa. A partir daí, os confrades asseguravam a atividade caritativa por toda a cidade. Distribuíam esmolas, alimentos, roupas e cuidavam dos doentes. Logo depois, essas casas multiplicaram-se por todo o País. É indiscutível que tiveram enorme importância no progresso de ações de apoio aos pobres e de assistência hospitalar.

Nesse tempo, Portugal vivia o auge do período dos descobrimentos e de riqueza a eles associada. Mas o ouro e o dinheiro eram mal distribuídos. Os pobres eram muitos e os doentes ficavam ainda mais pobres.

SEGUNDA CENA: A REFLEXÃO DO AVÔ

As Misericórdias que eram financiadas por donativos, incluindo contribuições régias, desempenharam ao longo dos séculos atividade social de imenso relevo. Em 1974 detinham não só a maioria dos hospitais, mas também conduziam a ação social em diversos domínios na perspetiva benevolente, compassiva e piedosa. A anteceder a designação da localidade que servem são designadas como “Santa Casa da Misericórdia”. São administradas por mesários que compõem a respetiva Mesa, presidida pelo Provedor.

A mais pujante, mas também a mais rica e com gestão mais difícil, é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, dinâmica desde há 525 anos! Ora, exatamente por isso, devido à complicada gestão, o Provedor, o Vice-Provedor e mesários, nomeados pelo Governo, recebem salários equiparados a presidente, vice-presidente e vogais de empresas públicas do grupo A e nível de complexidade 1, montantes justificados oficialmente devido ao grau de complexidade da sua gestão.

Feitas as contas, o Provedor recebe, mensalmente: 8.270,37 euros (vencimento e despesas de representação).

Moral:

Há que honrar o legado da Rainha. Como vai ser preciso nomear novo Provedor, escolha-se uma pessoa capaz, em idade ativa, para o cargo.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com