Ação Social (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 5 abril 2023

(continuação do conto em 4 cenas baseado em eventos reais)

Em Beja, ainda no Largo do Museu, o avô e o neto Tiago sentados no banco do jardim, diante da estátua da rainha Dona Leonor, continuam a conversar sobre a vida da mais famosa de todas as bejenses desde o tempo de Pax Julia. A rainha nascera em 1458 no centro da cidade, junto à rua dos Infantes. Sempre representara um orgulho para todos os conterrâneos.

TERCEIRA CENA: Nova pergunta do neto

– Ó Avô, então, mesmo com todos esses apoios das Misericórdias criadas pela rainha, como é possível haver tanta pobreza. Vê lá se me explicas porque razão há meninas e meninos na minha escola que são mesmo muito pobres. Vivem com imensos apertos. A gente percebe as dificuldades. Ainda ontem, durante o recreio, o Toninho dizia que os pais não tinham dinheiro para comprar umas sapatilhas para ele… Como é possível?

– Ó Tiago, sim, é verdade. Tens muitíssima razão! Há famílias, como a do Toninho, com imensas necessidades. Os empregos dos pais devem pagar salários baixos. Às vezes, um deles, ou o pai ou a mãe, estão desempregados ou recebem ordenados muito curtos que não chegam para as despesas da casa e para as compras no mercado. Nesta nossa Terra há grandes desigualdades. Sempre assim foi. A uns tudo falta e outros têm tanto que não sabem o que fazer com os rendimentos tão altos que recebem.

– Ó Avô, então a Revolta de 25 de Abril não foi para acabar com essas diferenças entre ricos e pobres?

– Sim! Foi, mas nem tudo correu bem!

– Falhou?

– Nem tudo. Bem, muitas coisas falharam, mas outras foram um sucesso! Portugal, apesar da pobreza, é hoje mais alegre, as pessoas sorriem mais do que no tempo de Salazar. Agora todos podem falar e pensar com Liberdade. Antes não. Essa é uma grande transformação.

QUARTA CENA: O avô continua a refletir

Pensando para trás, a mente do avô leva-o a viajar no tempo. Recua até 1974 e depois percorre a história recente.

Começa por imaginar como explicar ao neto as desigualdades sociais, mas sem radicalizar o discurso. Procura uma justificação suave ao encontro da verdade. Não consegue. Desiste por momentos. Resolve esperar que o neto cresça mais, uma vez que dentro de dias fará apenas 8 anos. Afinal ainda é muito novo. Vai adiar a conversa para os seus 10 anos de idade. Consciente do embaraço da explicação, o avô lembra-se como, ele mesmo, aprendeu a distinguir o bem e o mal. O justo e o injusto. Busca na sua memória como ele aprendeu a diferenciar o certo e o errado. O bom e o mau. Moral e e imoral. Tinha que transmitir ao neto as suas vivências, mas não era simples como treinar a tabuada ou a prova dos nove.

Reconheceu a dificuldade em encontrar soluções boas. Era preciso esperar e preparar-se, concluiu. Lembrou-se de uma lição que recebera de seu pai quando tinha 10 anos de idade sobre a coragem dos democratas que combatiam as injustiças. O ânimo deles era, unicamente, a satisfação interior do dever cívico. A alegria que sentiam em apoiar outros, sem nada receber.

Moral da história

Todos os indicadores atuais demonstram que a pobreza assume, em Portugal, uma dimensão intolerável. Um desespero para muitas famílias. Ninguém poderá ficar indiferente.

Em Portugal, não seria de admitir uma situação justa e equilibrada da distribuição da riqueza nacional, uma vez que se festejam 50 anos de proclamação da Democracia?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com