Proteção para o frio

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 18 outubro 2023

Não há Inverno sem gripe, por isso mesmo é denominada como gripe sazonal, própria da estação fria no Hemisfério Norte, depois de ter circulado no frio do Sul.

Há muitos anos atrás, em Londres, durante os dias de Inverno de 1933, o médico inglês Wilson Smith demonstrou que a gripe era causada por partículas com dimensões ínfimas que atravessavam os poros de porcelana. Pouco depois, os cientistas com apoio de microscopia eletrónica confirmaram que o vírus, em média, mede 100 nanómetros (cada partícula é, portanto, 10 mil vezes mais pequena do que 1 milímetro).

Como a gripe é causa importante de doença e de morte houve, desde logo, a preocupação de fabricar uma vacina. Acontece, porém, que os vírus mudam a sua composição durante as voltas ao mundo que sistematicamente fazem.

As primeiras vacinas surgiram em 1945. Mas, cedo reconheceu-se que as mudanças constantes do vírus (designadas mutações) iriam impedir a conservação da mesma vacina de um ano para o seguinte. Não só variavam os tipos e subtipos dos vírus como as mutações exigiam a adaptação sazonal da vacina. Para tal, a Organização Mundial da Saúde criou um sistema de vigilância laboratorial para antecipar qual será a estirpe responsável pela gripe na época fria do hemisfério oposto e, assim, preparar a nova vacina.

Inicialmente, as vacinas inativadas eram fabricadas a partir de ovos de galinha embrionados. Mais tarde passaram a ter por base células de cultura e depois as novas tecnologias de recombinação.

Recentemente, a SANOFI introduziu uma vacina que contém quatro estirpes inativadas de vírus da gripe (duas do tipo A e duas do tipo B) para injeção intramuscular, mas em alta dose, que é comercializada com o nome de EFLUELDA HD. Esta nova apresentação tem indicação para pessoas acima dos 65 anos de idade.

Portugal importa esta vacina que está disponível em todas as farmácias, através de receita médica, para ser administrada aos mais idosos. O Estado assegura a imunização gratuita, mas apenas aos residentes em lares. Todos os outros para a adquirirem terão que a comprar na farmácia, pagando 50 euros, por inteiro, uma vez que não é comparticipada. Comprovadamente esta vacina de alta dose evita doença grave, poupa internamentos, economiza cuidados intensivos e reduz a probabilidade de morte.

Por isso, quem não a deseja?

Eis um cenário hipotético:

O José, de 85 anos de idade, é reformado e reside na sua casa de Beja com a mulher e uma filha divorciada, com três filhos. O núcleo familiar reúne, na mesma moradia, três gerações. A filha é professora e os netos frequentam a escola primária.

Já o seu irmão, Manuel, de 81 anos, está no Lar da Cruz Vermelha, na mesma cidade, desde que enviuvou. Não tem filhos.

Ora, pelas normas atuais, a nova vacina de ALTA DOSE contra a gripe será administrada gratuitamente apenas ao Manuel por residir permanentemente numa instituição de idosos. O José poderá ser vacinado, na condição de pagar o preço de venda ao público.

Não seria mais consensual e justo, garantir a equidade de proteção à população mais idosa, por exemplo com mais de 85 anos?

Não estaria mais certo proporcionar a equidade a todos os 365 mil portugueses com idades superiores a 85 anos? Pelo menos, de entre estes, contemplar os mais pobres (e mais vulneráveis) para terem direito à nova vacina, gratuita, por prescrição do médico de família.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com