Surpreendentemente, o médico que seguia minha Mãe, em 1947, durante uma das consultas prenatais disse-lhe que ouvia dois focos fetais e que muito seguramente iria ter gémeos antes do final de Outubro. O obstetra Coelho de Campo tinha razão. No dia 21 desse mês, às 8 horas nasceu o meu irmão e cinco minutos depois eu. Meu Pai e o seu amigo pediatra, Fernando Sabido, trataram de nós com cuidados especiais, uma vez que nascemos com baixo peso.
A gemelaridade é um fenómeno que todos reconhecem ter um encanto particular que invade, para além da família, amigos e vizinhos sobretudo, como era o caso, quando os gémeos são univitelinos (comumente designados como verdadeiros ou idênticos).
Ora, era essa a nossa situação. Nascemos como resultado da divisão inesperada do mesmo ovo depois de fecundado. Partilhamos, o desenvolvimento fetal. Em comum temos o património genético, isto é, ADN indistinguível (questões que só muito mais tarde, como estudante de medicina viria a compreender melhor).
Independentemente dos aspetos físicos e biológicos, há a realçar a componente vivida na condição de ser um dos gémeos. Ser o Francisco ou o João. Esta experiência assume contornos marcantes durante a infância, mas principalmente no período da adolescência e da juventude (até à idade em que cada um segue o seu caminho, diria). Antes, as estafadas frases eram sistemáticas:
– És o Francisco ou o João?
– És tu ou o teu irmão?
Sempre assim foi. Uma confusão a que me habituei.
Em ambiente familiar, na escola ou no bairro, com excepção de minha Mãe, a barafunda era constante.
Dois exemplos traduzem essas vivências: Minha Mãe, antes de sairmos de casa, punha um de cada lado em frente a um grande espelho a fim de poder fazer uma última revisão ao vestuário para ver se tudo estava bem. Um à esquerda e o outro à direita. Quase sempre vestidos de igual, a distinção era complicada, devido às imagens trocadas pela reflexão: quem estava à esquerda aparecia à direita, quem estava à direita surgia à esquerda… Para facilitar a distinção, resolvi abanar discretamente uma mão para ver quem eu era ao certo.
Uma época, já adultos, combinamos não desmentir quem nos confundia. Com excepção dos assuntos referentes à minha profissão de médico, eu passei a não desmentir o meu interlocutor quando ele pensava que eu era o meu irmão. E, reciprocamente, meu irmão fazia o mesmo quando alguém falava com ele convencido que era eu. Ao fim de pouco tempo estabeleceu-se uma gigantesca confusão devido à falta de sequência de cada um dos diálogos cruzados. Aconteciam coisas deste género:
– Mais logo passarei em tua casa, dizia um amigo para mim a julgar que falava como o meu irmão.
Ao fim da tarde, o tal amigo batia à porta para surpresa do meu irmão que não o esperava…
Devido às imensas semelhanças os episódios e as histórias clássicas repetiram-se também comigo e com o meu irmão: namoradas, exames no liceu, etc…
É verdade que as parecenças morfológicas eram grandes, em especial até ao final da juventude. Mas, por contraste, as características psicológicas, isto é, o perfil de cada um de nós era muito diferente. Diferenças marcantes quer nas opções profissionais quer no lazer.
Francisco George
Verão, 2013