Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 julho 2024
Há 40 anos, a identificação, em Portugal, dos primeiros casos de SIDA irá ser assinalada com iniciativas promovidas pela Direção-Geral da Saúde. Ainda bem que assim sucede. É preciso falar mais sobre a infeção e a doença.
Saber da origem viral e como se transmite é condição principal para a prevenção da SIDA.
Durante estes 40 anos foram alcançados imensos sucessos traduzidos na transformação de uma doença aguda grave (como causa frequente de morte dos doentes) em doença crónica que, em consequência do tratamento medicamentoso inovador, deixou de encurtar a vida dos infetados.
Quer a minha idade quer a minha carreira colocaram-me, por mero acaso, no epicentro da Pandemia VIH. Tudo aconteceu de forma inesperada, em 1980. Surpreendeu os cientistas que, até então, não admitiam a possibilidade de aparecer uma doença que não existia anteriormente. É verdade, ao contrário da gripe, ninguém tinha antecipado a hipótese de surgir uma doença de expressão pandémica com a magnitude e gravidade da nova infeção viral. Sublinho, NOVA, uma vez que antes não se conheciam casos clínicos dessa doença.
Porém, ainda hoje, pouco se sabe como emergiu, quando e qual foi, verdadeiramente, a origem do vírus. Terá sido a partir de mutações ocorridas em vírus que circulavam em macacos ou em outros animais? Ao certo ainda ninguém demonstrou, no plano científico, o que aconteceu.
Também não se percebeu quando ocorreu a nova doença. Mas, se é exato que a epidemia explosiva foi só reconhecida em 1981, também é verdade que há razões para admitir que o seu início remonta aos anos de 1930 a 1950 (como casos esporádicos).
Preciso.
Há duas situações descritas, corretamente estudadas por cientistas, que fazem crer que a “doença mistério”, com as mesmas características de imunodeficiência, começou antes de 1980, em África. Uma delas, refere-se a um jovem marinheiro inglês de 25 anos de idade que estivera na África Austral e que viria a morrer em 1959 com um quadro clínico grave de pneumonia e de cancro (sarcoma de Kaposi), tendo sido autopsiado sem conclusão diagnóstica, na altura. Mais tarde, o médico do doente, ao lembrar-se dessa autópsia, foi investigar as peças congeladas e, com espanto, identificou o material genético do vírus da SIDA.
Um outro caso analisado foi a de uma criança que morreu de varicela (doença benigna), em 1976, filha de um viajante norueguês que tinha estado em África, dez anos antes. Posteriormente, os investigadores admitiram que a causa da morte foi SIDA transmitida pela mãe (que, tal como o pai, morrera de doença compatível com deficiência imunitária).
Mas, o “Grande Terramoto” com epicentro em África só viria a sentir-se depois de 1980.
(continua)
Francisco George
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