Opinião Pessoal (XXX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 julho 2024

Há 40 anos, a identificação, em Portugal, dos primeiros casos de SIDA irá ser assinalada com iniciativas promovidas pela Direção-Geral da Saúde. Ainda bem que assim sucede. É preciso falar mais sobre a infeção e a doença.

Saber da origem viral e como se transmite é condição principal para a prevenção da SIDA.

Durante estes 40 anos foram alcançados imensos sucessos traduzidos na transformação de uma doença aguda grave (como causa frequente de morte dos doentes) em doença crónica que, em consequência do tratamento medicamentoso inovador, deixou de encurtar a vida dos infetados.

Quer a minha idade quer a minha carreira colocaram-me, por mero acaso, no epicentro da Pandemia VIH. Tudo aconteceu de forma inesperada, em 1980. Surpreendeu os cientistas que, até então, não admitiam a possibilidade de aparecer uma doença que não existia anteriormente. É verdade, ao contrário da gripe, ninguém tinha antecipado a hipótese de surgir uma doença de expressão pandémica com a magnitude e gravidade da nova infeção viral. Sublinho, NOVA, uma vez que antes não se conheciam casos clínicos dessa doença.

Porém, ainda hoje, pouco se sabe como emergiu, quando e qual foi, verdadeiramente, a origem do vírus. Terá sido a partir de mutações ocorridas em vírus que circulavam em macacos ou em outros animais? Ao certo ainda ninguém demonstrou, no plano científico, o que aconteceu.

Também não se percebeu quando ocorreu a nova doença. Mas, se é exato que a epidemia explosiva foi só reconhecida em 1981, também é verdade que há razões para admitir que o seu início remonta aos anos de 1930 a 1950 (como casos esporádicos).

Preciso.

Há duas situações descritas, corretamente estudadas por cientistas, que fazem crer que a “doença mistério”, com as mesmas características de imunodeficiência, começou antes de 1980, em África. Uma delas, refere-se a um jovem marinheiro inglês de 25 anos de idade que estivera na África Austral e que viria a morrer em 1959 com um quadro clínico grave de pneumonia e de cancro (sarcoma de Kaposi), tendo sido autopsiado sem conclusão diagnóstica, na altura. Mais tarde, o médico do doente, ao lembrar-se dessa autópsia, foi investigar as peças congeladas e, com espanto, identificou o material genético do vírus da SIDA.

Um outro caso analisado foi a de uma criança que morreu de varicela (doença benigna), em 1976, filha de um viajante norueguês que tinha estado em África, dez anos antes. Posteriormente, os investigadores admitiram que a causa da morte foi SIDA transmitida pela mãe (que, tal como o pai, morrera de doença compatível com deficiência imunitária).

Mas, o “Grande Terramoto” com epicentro em África só viria a sentir-se depois de 1980.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXIX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 26 junho 2024

Ainda sobre História relato outras memórias que me marcaram desde a adolescência. Refiro-me a uma visita que fiz ao Palácio de Sintra. Teria na altura 11 anos de idade.

Impressionaram-me os sulcos marcados no pavimento da sala que serviu de prisão ao rei Afonso VI que tinha sido deposto por um golpe palaciano liderado pelo seu próprio irmão, Pedro (cinco anos mais novo do que ele). Essas marcas eram o resultado dos movimentos de andar para trás e para diante, durante 9 anos, de Afonso (que coxeava) que aí esteve impiedosamente detido, até à sua morte em 1683.

Só mais tarde percebi os contornos dos acontecimentos ocorridos no Portugal restaurado.

Preciso.

Afonso nasceu em 1643, filho de João IV e Luísa de Gusmão. Uma doença febril adquirida durante a infância deixou-o deficiente. No âmbito das regras da Monarquia, uma vez que o príncipe herdeiro, Teodósio, tinha morrido prematuramente, o seguinte na linha de sucessão ao trono era Afonso que, apesar de ser mental e fisicamente deficiente, viria a ser aclamado rei depois da morte de João IV (1656).

Há muitos documentos que testemunham que a Corte de Afonso VI era uma barafunda. Os seus amigos eram “pouco recomendáveis” por serem autênticos bandidos organizados em gangues que semeavam o terror nas ruas da capital. Antes de ser coroado, Afonso encontrava-se entre eles e depois, irrefletidamente, a partir de 1662, levou-os consigo para a Corte. Uma desgraça.

O país vivia problemas graves, incluindo crises de fome e guerras com Castela e com a Holanda. A restauração terminaria com a Batalha de Montes Claros, em 1665.

Afonso VI casou com Maria Francisca de Saboia, em 1666. As desavenças da rainha com o seu marido e com a Corte, levam Pedro a querer o trono do irmão e a cunhada. Para tal, manda encarcerar Afonso e consegue a anulação do casamento de Francisca com quem viria a casar.

Conclusões:

1. Maria Francisca de Saboia, provavelmente, terá sido a única aristocrata, a nível mundial, a ter sido rainha por duas vezes, consorte de dois reis diferentes.

2. Pedro II de Bragança foi, talvez, o único monarca que conquistou, duplamente, o trono e a rainha ao seu antecessor (Afonso VI).

3. Como médico, pelas descrições da doença e sequelas de Afonso, admito que foi meningite.

4. Aconselho a visita ao Palácio. Uma viagem no tempo.  Porém, reparemos que, na época dos Braganças, o Palácio era em Cintra e não em Sintra porque o nome da vila passou a ser escrito com “S” quando terminou a dinastia brigantina, em 1910. No ano seguinte a reforma republicana da ortografia terminou com nomes derivados de divindades, como era a situação de Cintra que estava associada a Cyntia, deusa grega da Lua.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXVIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 19 junho 2024

Sou daqueles que gosto de conhecer a História do nosso país porque admito que a interpretação da realidade presente está, inevitavelmente, associada à evolução de eventos passados relativos a múltiplas dimensões (culturais, sociais e económicas).

Ora, Portugal foi fundado, há 881 anos, em ambiente de sucessivas batalhas havidas contra Leão, Castela e os Mouros. A ambição, a audácia e a espada de Afonso Henriques foram decisivas para ter sido reconhecido como rei de Portugal por Afonso VII de Leão e Castela, em 1143. Foi inaugurada, assim, a primeira dinastia portuguesa até à coroação de João, Mestre da Ordem de Avis, em 1385.

Afonso Henriques nascera em Guimarães, em 1111, era filho de Henrique de Borgonha e de Teresa de Leão (titulares do condado Portucalense). Muitos historiadores descrevem a personalidade de Afonso Henriques caracterizada por espírito insubmisso, pela sua rebeldia e pelo ânimo inquieto (como escreveu Alexandre Herculano).

Em 1146, Afonso Henriques casou com Matilde de Saboia (1125-1158) que, curiosamente, entre nós, é mais conhecida como Mafalda. A primeira rainha de Portugal durante a sua curta vida (33 anos) teve sete descendentes. O quinto a nascer foi Sancho (1154-1211) que viria a suceder a seu pai, em 1185, como segundo rei.

Como se sabe, o novo reino ergueu-se de batalha em batalha, de conquista em conquista.  A expansão territorial alcançada viria a completar o nosso atual retângulo até às praias algarvias. Neste âmbito, em 1147, a tomada de Lisboa aos mouros, após um cerco de cinco meses, representou um notável marco. Para tal, Afonso Henriques teve o apoio de cruzados ingleses que estavam em Portugal a caminho da Terra Santa (Palestina).

Afonso Henriques morreria em 1185, em Coimbra. Todo o seu reinado foi assinalado por constantes guerras: ora contra cristãos leoneses e castelhanos ora para expulsar os muçulmanos. Antes e depois de ser rei foi sempre um temido guerreiro. A administração do país que criou foi sendo adiada porque, para ele, era preciso, primeiramente, ganhar as lutas e os combates. Conquistar era a sua grande prioridade.

A sua vida de combatente destemido e ousado foi um fascínio.

Quando eu passava em Coimbra, sobretudo na altura das minhas deslocações oficiais, tinha o costume de parar na baixa para visitar o túmulo de Afonso Henriques no Mosteiro de Santa Cruz. Este tributo que gostava de prestar gerava no meu pensamento uma estranha emoção que nunca consegui nem explicar nem conter. Os poucos momentos que aí estava eram suficientes para idealizar a imensa energia que o nosso primeiro monarca terá conseguido mobilizar para construir o novo Estado.

Sobre Afonso Henriques gosto especialmente dos versos, em duas quadras, que Fernando Pessoa nos deixou na “Mensagem”, publicada em 1934:

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!  

Conclusão: Em próxima deslocação a Coimbra aconselho os leitores a visitarem o Mosteiro de Santa Cruz, edificado em 1131 por iniciativa dos dois primeiros reis. Os túmulos de Afonso Henriques e de seu filho Sancho aí se encontram por vontade expressa deles.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXVII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 12 junho 2024

Agora, 80 anos passados do Desembarque, estando eu assolado por notícias preocupantes sobre as guerras na Europa e no Médio Oriente, resolvi resumir o caminho que aqui nos trouxe, a partir dos horrores que aconteceram durante a II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.

Como eu e o meu irmão gémeo (idêntico) nascemos dois anos depois, compreende-se que o tema da Guerra tenha sido motivo de frequentes conversas em nossa casa a propósito de questões associadas a assuntos políticos ou militares. Meu Pai era filho e neto de ingleses e, por isso, viveu com elevada emoção aquele tempo de Guerra. Costumava relatar todos os detalhes das diferentes etapas da Guerra para nos explicar a importância que teve para todos nós a derrota da Alemanha. Dizia-nos que na altura costumava acompanhar as emissões da BBC e que frequentava o pequeno teatro no “quarteirão inglês”, à Estrela, para ver os documentários filmados sobre o BLITZ que aí eram regularmente projetados. Não escondia a sua preferência por Montgomery, Winston Churchill e Clement Attlee. Já perto da Vitória dos Aliados, enaltecia o êxito do marechal Zhukov que fez capitular Hitler, em Berlim, no final de Abril de 1945. Descrevia-nos o conceito de heroísmo dos soldados Aliados e dos partisans franceses na perspetiva da Libertação das nações. Nunca mais esquecemos os seus ensinamentos.

Por outro lado, a decisão tomada pelo Presidente Truman dos EUA em lançar bombas atómicas para conseguir precipitar a rendição do Japão foi sempre muito criticada. Como se sabe, primeiro, em Hiroshima, a 6 de Agosto (bomba de urânio) e três dias depois uma outra explosão atómica à base de plutónio, em Nagasaki, provocaram instantaneamente 120 mil mortes, sem contar com os efeitos radioativos que durante semanas, meses e anos atingiram muitos milhares de pessoas. Um imenso pavor.

Os cenários de hoje, 80 anos depois da Normandia, representam novas ameaças. Mas, de dimensão global, sublinho.

Preciso.

Nos últimos dois anos, incessantes disputas belicistas constituem motivo de inquietação, uma vez que os armamentos atuais estão preparados para lançarem (por terra, mar e ar) inúmeras ogivas nucleares. Confirmadamente. Há que equacione a possibilidade de eclodir uma III Guerra Mundial. Os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia ou entre Israel e as populações da Palestina (e do Irão) poderão servir de ignição para tal.

Na minha opinião, baseada só em presunções, os Portugueses não gostam de conflitos armados. Tanto mais que uma nova Guerra da Europa conduziria a uma devastação inimaginável, atendendo ao imenso poder de destruição massiva das armas atómicas existentes, muito mais poderosas do que as explosões de 1945.

Devem ser um alerta não só para todos os povos europeus como, também, a nível mundial, em termos de sobrevivência coletiva para “os dois lados”.

Estou em crer que há ainda tempo para serem aproximadas soluções imediatas na perspetiva da Paz.

É preciso substituir armas por acordos. É preciso impedir a destruição do Planeta e de quem o habita, uma vez que explosões nucleares poderão, em pouco tempo, tudo e todos destruir.

Mais do que nunca, estou convencido que seriam necessários outros líderes mundiais, mas com a dimensão de António Guterres. Diria, desde já, em Moscovo, Kiev, Washington, Telavive, Gaza, Teerão, Berlim, Paris e Bruxelas.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXVI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 5 junho 2024

Na primeira crónica do mês que marca a época do Verão, pareceu-me que faria sentido formular recomendações que visam promover a saúde e prevenir doenças na perspetiva da redução dos riscos decorrentes do clima quente e soalheiro que, no nosso país, irá prevalecer nas próximas semanas. Constituem, assim, temas que interessam à Saúde Pública.

Nessa ótica, enumero alguns aspetos preventivos a ter em conta para o calor e veraneio.

Preciso os principais:

1. Antes de tudo é preciso estar atento às recomendações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e dos serviços de meteorologia (IPMA), uma vez que emitem alertas para situações que antecipam e que, por isso, devem ser rigorosamente observados.

Habitualmente, nos dias de sol, são sempre oportunos os conselhos para as pessoas utilizarem chapéu de abas largas, óculos escuros e vestirem roupa fresca de tipo T-shirt de preferência de algodão (sem fibras sintéticas).

O mais importante é evitar a exposição ao sol quer na praia quer no campo.

Sabe-se, confirmadamente, que os efeitos tardios de “escaldões” estão da origem de cancros da pele que ocorrem anos depois (daí a importância do uso sistemático de camisas e protetores solares).

A exposição não protegida aos raios solares (radiação ultravioleta) tem uma relação causa-efeito com o melanoma maligno que é o mais grave dos cancros cutâneos. O melanoma é consequência de alterações do genoma (ADN) das células produtoras de melanina (responsáveis pela pigmentação da pele). Como se compreende, o diagnóstico precoce é essencial na perspetiva do tratamento ser realizado na  fase inicial, antes das respetivas metástases atingirem outros órgãos. Razão pela qual é preciso ter em atenção o aparecimento de novos sinais na pele ou a modificação dos que já existiam. Os sinais podem ser manchas (pintas) ou nódulos. Se bem que os mais frequentes sejam benignos, há que procurar a consulta do dermatologista se apresentarem cor escura (com tonalidades e cores diferentes), com bordos irregulares e com dimensão superior a seis milímetros.

2. Os banhos de mar ou em piscinas devem ser evitados, pelo menos, entre as 12H30 e as 15H30, a fim de fugir às horas mais perigosas dos raios do Sol. Estou certo que seria um belo exemplo se as piscinas públicas municipais fechassem ou proibissem banhos durante aquelas horas. Isso seria uma forte medida educativa, em termos de literacia para a saúde (prevenção de riscos).

3. Os afogamentos nas praias marítimas, nos rios ou em piscinas (atenção especial a crianças) constituem problemas dramáticos que exigem mais atenção. É preciso ter o maior cuidado e seguir as orientações dos nadadores-salvadores.

Ainda sobre crianças: quando eu era delegado de saúde, lembro-me de um episódio de dois gémeos com 10 meses de idade estarem a tomar banho numa pequena piscina insuflável e de um deles ter morrido afogado quando a mãe se afastou momentaneamente para ir abrir a porta ao ter ouvido a campainha tocar. O drama aconteceu em instantes.

4. Os banhistas nas praias, para além da picada pelo peixe-aranha, podem sofrer queimadura e outras lesões na pele provocadas pelo contato direto com caravelas-portuguesas. Em qualquer das situações, é necessário seguir os conselhos das autoridades marítimas e telefonar de imediato para a LINHA ANTIVENENO através do número 800 250 250 (no caso de esquecimento do número, há que procurar socorro pelo 112).

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 29 maio 2024

Ainda sobre as comemorações dos 50 anos da nossa Liberdade apresento, hoje, algumas recomendações que considero úteis para a generalidade dos leitores destas crónicas de quarta-feira.

1. Organizar uma deslocação à vila pesqueira de Peniche, juntando, preferencialmente, três gerações da respetiva família, para visitar a Fortaleza onde, agora, foi inaugurado o novo Museu Nacional Resistência e Liberdade. A visita deve ser agendada através do preenchimento de formulário próprio, facilmente acessível na internet. Aconselho que seja programada com a duração de tempo suficiente para ser completa (duas horas).

O Museu é uma fortaleza antiga, construída no tempo da ocupação espanhola pelos reis Filipes, mas só concluída no início do reinado de João IV de Bragança, em 1645. Mais tarde acolheu o Regimento de Infantaria e durante o Estado Novo foi cadeia para presos políticos que se oponham a Salazar.

Ficaram célebres as fugas de António Dias Lourenço (em 1954) e a de Álvaro Cunhal, em 1960. Curiosamente, a evasão de Cunhal, acompanhado por mais nove companheiros seus, terá sido organizada a partir do exterior por Dias Lourenço.

Imperdível. Inesquecível.

2. Quem se interessa por conhecer pormenores da preparação da Revolução de Abril não poderá deixar de ver os nove episódios da excelente série documental, “A Conspiração”, que a RTP1 tem difundido nas últimas semanas. As emissões, que ainda decorrem no horário mais nobre da estação, representam justas homenagens aos heróis do Movimento das Forças Armadas que libertaram o País há 50 anos. A série, escrita e realizada pelo cineasta António-Pedro Vasconcelos, é magnífica. Como se sabe António-Pedro viria a morrer a 5 de Março de 2024, os 84 anos. Poucos dias antes, mesmo internado no hospital, trabalhou na obra que nos deixou.

3. Na dimensão política, proponho o acompanhamento das notícias sobre o Manifesto da Justiça que foi, inicialmente, promovido por 50 personalidades provenientes de diversos quadrantes políticos que consideram urgente reformar as magistraturas como órgão de soberania.

A falta de transparência, as desigualdades no acesso à Justiça e a intolerável morosidade constituem, entre outras, componentes críticas do Sistema que impõem profunda e inadiável Reforma.

4. Sem assumir a importância dos pontos acima enumerados, e apesar de eu mesmo ser parte interessada como coautor, aconselho a leitura da recente publicação intitulada “50 ANOS DEPOIS – AS POLÍTICAS SOCIAIS EM PORTUGAL” que as Edições Almedina publicaram recentemente. Trata-se de um livro coordenado por Jorge Simões e que conta, em capítulos distintos, com a participação de Gustavo Cardoso, Jorge Reis Novais, Sara Vera Jardim e Vasco Franco.

É, estou certo, uma boa sugestão para a Feira do Livro, em Lisboa, que hoje tem início no Parque Eduardo VII e que decorrerá até 16 de Junho.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXIV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 22 maio 2024

Já aqui escrevi sobre o panorama do envelhecimento da população residente em Portugal. O fenómeno da atual transição demográfica era esperado, desde há muito. Todos sabiam que iria acontecer. Por outras palavras, a população portuguesa não envelheceu de forma súbita. Ano após ano a proporção de pessoas idosas aumentou de forma imparável, em comparação com o ano anterior. Assim, em termos percentuais, o país passou a ser habitado por mais idosos. Situação com tendência para se acentuar no final da década.

O aumento da esperança de vida verificado em Portugal traduz, naturalmente, os imensos avanços socioeconómicos e de saúde pública que foram alcançados desde 1974.

Já manifestei a minha convicção de ser possível prolongar, ainda mais, a esperança de vivermos, apesar do notável aumento da longevidade que foi conseguido, até agora: entre a população com 65 ou mais anos de idade, 30% são pessoas com idade superior a 80 anos.

Para ser possível prolongar o tempo de viver, há que implementar medidas que visam, também, elevar a qualidade de vida das pessoas. Isto é, com mais autonomia. Com mais atividade produtiva. Com mais energia. Com mais saúde. Com mais prosperidade.

Para tal, é preciso desenhar e implementar políticas setoriais, concretas, destinadas a incentivar a promoção da saúde e a prevenção das doenças. Essas ações, desde que cientificamente fundamentadas, serão contempladas em políticas públicas conduzidas pelos diferentes departamentos do Estado e, em particular, pelo Ministério da Saúde. O sucesso dessas políticas preventivas depende, antes de tudo, da respetiva aceitação social e do grau de participação da população.

Em resumo, sou da opinião que é oportuno impulsionar a componente de prevenção no Sistema de Saúde, na perspetiva do envelhecimento saudável.

É preciso tudo fazer nesse sentido. Não adiar.

É o caso da introdução de novas vacinas para adultos que são eficazes para evitar complicações de certas infeções respiratórias, tanto de natureza viral como bacteriana. Pesquisas científicas recentes comprovam os seus efeitos positivos que não podem ser ignorados. Refiro-me à vacina contra a gripe de “alta dose” que tem uma carga antigénica quatro vezes maior do que a vacina sazonal standard e que é especialmente indicada para prevenir as complicações respiratórias em idosos (por exemplo, a partir dos 80 anos) durantes as semanas frias.

Com o mesmo propósito, estão, igualmente, aconselhadas, a partir dos 65 anos de idade, as vacinas inovadoras contra as doenças provocadas pelo pneumococo que visam evitar os efeitos associados à pneumonia, meningite e otites.

No mesmo sentido, as vacinas contra as infeções originadas pelo vírus sincicial respiratório (VSR) estão indicadas para adultos com idade igual ou superior a 60 anos, mas, igualmente, para serem administradas, em dose única, a mulheres grávidas entre as 24 e 36 semanas de gravidez, a fim de prevenir infeções do recém-nascido.

Conclusão: Estudos de custo-benefício demonstram que os investimentos necessários para aquisição e administração das vacinas são compensados pelas poupanças decorrentes da redução das despesas que estariam relacionadas com a hospitalização de doentes, incluindo os tratamentos em unidades de cuidados intensivos (em doentes sem vacinação contra estas doenças).

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 15 maio 2024

A crónica de hoje tem como tema a vida e o modo de viver da população mais idosa no nosso país. Para tal, proponho, primeiramente, que olhemos para a atual dimensão do envelhecimento dos residentes em Portugal.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística há dois milhões e meio de habitantes (incluindo imigrantes) com 65 ou mais anos de idade.

Ora, concentremos a nossa atenção apenas nestes 2,5 milhões de pessoas e façamos as questões seguintes:

1) Em Portugal, uma pessoa com 65 anos de idade quantos anos tem de esperança de viver?

2) Dentro desse grupo com 65 e mais anos, quantas pessoas têm mais de 80 anos e mais de 100 anos?

3) Quais as principais doenças que afetam estas pessoas?

4) Há doenças evitáveis, mesmo neste grupo etário?

5) É possível prolongar ainda mais a longevidade e assegurar, simultaneamente, mais qualidade à vida?

Eis as respostas às cinco questões acima formuladas:

1) Em média, em termos de probabilidade, quem tem 65 anos de idade tem a esperança de viver mais 20 anos. Esta estimativa traduz o desenvolvimento da Saúde Publica, desde 1974. Foi resultado do progresso socioeconómico, do Serviço Nacional de Saúde, das prestações sociais e das novas infraestruturas de saneamento básico. O país foi ficando diferente e melhor e as pessoas passaram a viver mais tempo (a morrer mais tarde).

2) Os mais idosos com 80 anos ou mais anos de idade são 750 mil pessoas, das quais três mil têm 100 ou mais anos. Estes dados refletem o conceito de longevidade (30 % dos 2,5 milhões de habitantes têm 80 ou mais anos) e o processo imparável de envelhecimento demográfico. É uma questão que não deverá ser dramatizada, mas que exige preparação, adaptação e planeamento.

3) As doenças cérebro-cardiovasculares, oncológicas e as doenças respiratórias de evolução crónica representam a maior carga de doença, uma vez que provocam morte e incapacidade. Porém, as doenças agudas, nomeadamente de natureza infeciosa têm expressão significativa, mesmo no período pós-pandémico.

4) Sim. É possível evitar determinadas doenças transmissíveis, quer de origem viral quer bacteriana, uma vez que há vacinas seguras. Assumem indiscutível oportunidade, visto que evitam os casos mais graves de doença e, portanto, reduzem a necessidade de hospitalização e a admissão em unidades de cuidados intensivos. É o caso das novas vacinas para a gripe (alta dose), para as pneumonias e outras infeções respiratórias.

5) É verdade. É possível diferir o final da vida. Isto é, prolongar a longevidade e com mais qualidade de vida no âmbito da implementação de políticas públicas para o envelhecimento ativo em que a idade biológica deixa de ser o fator principal para decidir se cada pessoa pode ou não continuar a produzir.   Tão importante como saber prevenir e tratar a diabetes ou a hipertensão arterial, ou qualquer outra doença, é garantir o acesso a novas vacinas que adicionam mais tempo de vida à própria vida. Além disso, os investimentos necessários para a aquisição de vacinas são compensados com os benefícios a que dão origem. Isto é, têm um custo-benefício compensador, já cientificamente demonstrado.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 8 maio 2024

O tema que escolhi para a crónica de hoje relaciona-se com a progressiva expansão das atividades desenvolvidas pelas farmácias comunitárias em Portugal. Começo por sublinhar a importância dos serviços que prestam às pessoas. Indispensáveis. Muito mais do que mera atividade comercial de venda ou dispensa de medicamentos, desempenham um papel social de imenso relevo, particularmente no âmbito da Saúde Pública.

Em termos históricos, a evolução das farmácias está bem documentada no excelente espaço museológico da Associação Nacional das Farmácias, em Lisboa, ao bairro de Santa Catarina (visita obrigatória).

Eis o meu testemunho.

Em 1936, o meu Pai estava a preparar os exames para iniciar a carreira de Médico Interno nos Hospitais Civis de Lisboa. Na altura, logo a seguir a ter acabado o curso na Faculdade ao Campo de Santana, começou a fazer consultas num gabinete de uma Farmácia em Campo de Ourique, situada na Rua Silva Carvalho nº 1, junto ao famoso “quarteirão inglês”. Curiosamente, essa farmácia era propriedade da família da professora Odete Ferreira (1925-2018) que viria a distinguir-se como farmacêutica e investigadora em virologia, designadamente sobre a SIDA. Ora, foi aí que o jovem médico Carlos George (1913-1986) iniciou o exercício da sua profissão, recebendo as primeiras remunerações pelas consultas que prestava a quem o procurava.

No entanto, pouco depois, ainda nos anos 30, a sua atividade clínica foi interrompida porque deixou de ser legal fazer consultas médicas aos doentes em consultório junto a farmácias. Percebe-se a justeza da medida, então adotada, devido a razões de natureza ética, baseadas na reconhecida adequação em separar os locais, por um lado, onde é receitada a terapêutica e, por outro, a venda dos medicamentos aí prescritos pelo médico. O princípio da separação do médico que receita e do farmacêutico que dispensa foi socialmente compreendido e aceite.

Já longe da farmácia, Carlos George instalou-se, com sucesso, na Policlínica da Estrela, à rua Domingos Sequeira.

Considero que este meu relato tem agora oportunidade, uma vez que as funções do farmacêutico estão cada vez mais valorizadas, nomeadamente em termos de competências e responsabilidades. Ainda bem que assim acontece. A nível nacional, a oferta de formação universitária em ciências farmacêuticas é muito expressiva. Como resultado natural o atendimento nas farmácias tornou-se cada vez mais apoiado por técnicos dotados de formação superior (bacharelatos, licenciaturas e mestrados) e com comprovada aptidão para exercerem funções no âmbito da dimensão saúde. Acentuo a componente saúde, visto que há novas perspetivas para ampliar ações de aconselhamento a utentes, sobretudo destinadas à promoção da saúde e prevenção de doenças crónicas.

A proximidade com os utentes e a confiança que estes depositam no atendimento farmacêutico constituem um património precioso. Razão pela qual estão criadas condições para alargar atuações nos domínios da vacinação, proteção das radiações solares, alimentação equilibrada (calorias adequadas, menos sal e açúcar) e estilos de vida, bem como aconselhamento em doenças crónicas (diabetes, por exemplo) e em casos de doença aguda ligeira, desde que em regime de absoluta harmonia de princípios éticos a acordar entre a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 1 maio 2024

Nos últimos 50 anos ocorreram grandes transformações no nosso país. Portugal é, agora, diferente. Mais europeu. Essas mudanças são bem visíveis, bastando comparar os dados oficiais publicados pelo Instituto Nacional de Estatística de 1974 com os atuais. Neste sentido, realço:  a população cresceu 1.5 milhões de habitantes; presentemente, cerca de 2.3 milhões de pessoas são pensionistas dos sistemas de Segurança Social; a taxa de mortalidade infantil desceu de 45 para 2.6 por cada 1000 nascimentos vivos.

Os exemplos multiplicar-se-iam em todos os setores da vida económica, social e cultural do país. Porém, escolhi esclarecer uma das transformações mais marcantes em saúde pública, mas, menos conhecida. Refiro-me à doença, antigamente comum e hoje rara, conhecida vulgarmente por “icterícia”, que é provocada pela infeção do vírus da hepatite A.

Atualmente, se uma família portuguesa viajar a África ou Ásia, só os jovens abaixo dos 35 anos precisam de ser vacinados contra a hepatite A. Os mais velhos, como são do tempo de Portugal sem higiene pública, lidaram de perto com o vírus e, por isso, geraram anticorpos. Isto é, os mais novos devem ser imunizados pela vacina, mas os mais velhos já estavam imunizados mesmo sem terem sido vacinados e, portanto, não necessitam de vacina!

Preciso.

A hepatite A pode ser adquirida por uma pessoa ao beber água contaminada por fezes (transmissão fecal-oral), visto que os vírus das pessoas infetadas são eliminados por via intestinal que, na ausência de esgotos, contaminam a água que a seguir será consumida. No início, tem como quadro clínico a falta de apetite, náuseas, a coloração amarela dos olhos e a pigmentação escura da urina. Esta situação, antes de 1974, estava relacionada com a circulação descontrolada dos vírus, porque as condições infraestruturais de saneamento básico eram muito débeis. Na altura, era quase constante o contacto das pessoas com o vírus porque a água estava frequentemente contaminada por fezes em consequência da ausência de infraestruturas de saneamento. Sublinho que, na época, apenas 25% da população era servida por bons sistemas de abastecimento de água potável ao domicílio e que só 17% dispunha de sistemas de esgotos e 14% de recolha organizada de lixo.

Além disso, parte da população vivia em barracas. Só em Lisboa, 90 mil pessoas residiam nas 18 500 barracas.

Assim sendo, é fácil admitir que os vírus eliminados por pessoas infetadas fossem depois, inadvertidamente, ingeridos através de ingestão de água não tratada (nem pelo cloro nem pela fervura).

Por isso, a população portuguesa convivia com os vírus e, como resultado, criava anticorpos protetores.

Acontece, porém, que essa proteção deixou de existir à medida que, no país, avançavam as grandes obras públicas de construção de infraestruturas de saneamento básico. Foi, então, que os vírus da hepatite A deixaram de ser ingeridos pela água, uma vez que passou a ter qualidade (potável).

Ora, como a entrada dos vírus no organismo cria anticorpos, verifica-se o seguinte fenómeno: quem tem mais de 35 anos possui anticorpos protetores naturais porque é do tempo do Portugal sem saneamento e, por outro lado, quem nasceu depois das grandes obras de abastecimento de água e esgotos já não tem essa proteção.

Conclusão: Só os mais velhos são do tempo do Portugal da conspurcação generalizada.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com