Avelino Cunhal. Meu Professor

Avelino Cunhal (1887-1966) marcou para sempre a minha formação académica e cívica. A minha forma de pensar foi muito moldada pelo seu exemplo. Conheci-o no Colégio Valsassina em Lisboa em 1960. Foi meu professor de História nesse ano. Ensinou-me muito (1).

Na Escola, todos sabiam que era pai de Álvaro Cunhal. Poucos, no entanto, interpretavam com lucidez a razão de tanto segredo à volta da sua figura ou a importância que tinha na política em Portugal.

Ficaram memoráveis as explicações que dava sobre a Antiguidade, os Grandes Filósofos, os Cidadãos de Atenas ou a Guerra do Peloponeso (2). Na aula, sentado ao canto esquerdo da mesa, ligeiramente elevado pelo estrado, perna traçada que evidenciava o uso de capas de feltro a cobrir os sapatos (3), Avelino Cunhal falava de forma muito expressiva, animada pelos movimentos dos seus braços estendidos e das mãos semifechadas colocadas em distintos planos.

Iniciei o ano escolar com Avelino Cunhal em Outubro de 1960. Poucos meses antes, em Janeiro (4), o Filho tinha protagonizado a mais espectacular das fugas de presos políticos em presídios portugueses.

Um certo dia, antes de me deitar, pedi a meu Pai que me explicasse o que se passava com o Filho do Professor. Foi então, com entusiasmo indisfarçável, que me relatou o sucesso da fuga de Álvaro Cunhal da prisão de Peniche. Conseguira fugir e nunca mais regressar até, catorze anos depois, ter trepado para cima do tanque do MFA que o esperou no aeroporto de Lisboa.

Antes do final de 1960, abordei Avelino Cunhal quando subia o lance de escadas para o piso superior do corpo principal do Colégio. Disse-lhe que compreendia o desgosto que seguramente tinha em não poder ver o Filho e que em minha casa estavam todos solidários. Pôs-me a mão por cima dos ombros, nada disse de concreto e continuou a caminhada, a meu lado, para a lição daquele dia. Seguiram-se, em diferentes ocasiões, cumprimentos do mesmo género. No ano seguinte, também lhe comuniquei que o meu Pai tinha ouvido o Filho na Rádio Moscovo que, apesar das interferências ruidosas, era motivo frequente de atenção em minha casa (5).

Avelino Cunhal morreu em Fevereiro de 1966. Estive no cemitério do Alto de São João. Era um dia de chuva intensa. Algumas dezenas de pessoas aglomeraram-se no pátio interior junto ao portal principal. Todos esperavam a urna. Percebia-se a presença da polícia. Os agentes da PIDE à entrada estavam inquietos. Sentia-se a tensão. Ambiente pesado. Subitamente, ouve-se vozearia para apoiar o motorista de uma camioneta que tentava acertar a manobra para entrar no portão apertado. Era um camião de caixa aberta que transportava uma coroa gigante de flores vermelhas. Na enorme faixa que a atravessava lia-se: “DO TEU FILHO ÁLVARO”. Foi preciso um guindaste para movimentar a própria coroa. A emoção conjugou-se com a satisfação pelo destaque que a coroa naturalmente assumiu.

Quando casei, em 1970, o meu Sogro ofereceu-me um óleo pintado por Avelino Cunhal que tinha adquirido na Sociedade Nacional de Belas Artes nas célebres exposições dos neo-realistas que se opunham a Salazar (6). Era uma obra de dimensões médias (cerca de 70 por 40 cm) que retratava mulheres a venderem cerâmica na Feira de São Pedro de Sintra. Sobressaíam verdes e as típicas figuras redondas das vendedoras. Em baixo, à direita, a assinatura e a data – A. Cunhal 1947. Sem hesitar, em 1974, decidi oferecer este meu quadro a Álvaro Cunhal. Para tal, contactei uma amiga minha que com ele trabalhava no Gabinete em São Bento (7) depois de ter sido nomeado ministro sem pasta no I Governo Provisório. Mais tarde, vim a saber pela mesma amiga que a primeira reacção de Álvaro Cunhal ao contemplar o óleo foi ter comentado que não tinha sido ele o autor quando reparou na assinatura… Escreveu-me, de seguida, um bilhete que ainda guardo. Nunca mais soube do quadro e do destino que Álvaro Cunhal lhe deu.

Voltei ao Alto de São João em Junho de 2005 para acompanhar o cortejo fúnebre de Álvaro Cunhal. Disse, então, a alguns amigos que encontrei a caminho do cemitério que há quase 40 anos tinha lá estado pelo Pai.

Avelino e Álvaro Cunhal tinham semelhanças não só, no plano físico, mas também em múltiplos outros aspectos. Os dois advogados, os dois combatentes, os dois pintores, os dois escritores e os dois influenciados pelo movimento neo-realista.

Lisboa, Fevereiro de 2011
Francisco George

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(1) Recentemente José Cutileiro que assina uma coluna semanal no EXPRESSO, ao elogiar a figura do director do Colégio, Frederico Valssasina Heitor, escreveu que considerava Avelino Cunhal como um dos seus melhores professores.
(2)  Já recentemente ao ler a edição em português da História da Guerra do Peloponeso revivi os relatos de Avelino Cunhal (Tucídides. História da Guerra do Peloponeso. Lisboa: Ed Sílabo, 2008).
(3)  As polainas que usava nos meses frios do ano eram raramente observadas em Lisboa (é provável que fossem mais comuns em Seia, localidade onde Avelino Cunhal nascera em 1887).
(4)  No 3 de Janeiro de 1960 Álvaro Cunhal foge da Prisão de Peniche juntamente com Joaquim Gomes, Jaime Serra, Carlos Costa, Francisco Miguel, Pedro Soares, Rogério de Carvalho, Guilherme da Costa Carvalho, José Carlos e Francisco Martins Rodrigues
(5)  Então, a Emissora Nacional mantinha no ar um programa intitulado “RÁDIO MOSCOVO NÃO FALA VERDADE”.
(6)  Refiro-me à Exposição Geral de Artes Plásticas na SNBA (1947 ou 1948).
(7)  Refiro-me a Alice Sena Lopes.

Arnaldo Sampaio. Meu Professor (1)

Costumo dizer que os meus professores, Avelino Cunhal, no ensino secundário, e Arnaldo Sampaio na especialização em Saúde Pública, constituíram as minhas principais referências.

Arnaldo Sampaio (1908-1984) foi uma grande figura da Moderna Medicina Portuguesa. Seguramente, foi um dos mais notáveis fundadores da Nova Escola. Participou na formação da maioria dos médicos de saúde pública em Portugal. Ensinou todos. Transmitiu aos seus discípulos a noção da vastidão das áreas de interesse em Saúde Pública.

Foi um dos primeiros a considerar natural a intervenção de médicos no processo de desenvolvimento das comunidades, indissociável do desenvolvimento sócio-económico. Para ele, a Saúde Pública resulta do conhecimento de múltiplas disciplinas e atravessa todos os sectores. Insistia que os interesses da saúde dos cidadãos tinham que ser observados nos programas e iniciativas de outros departamentos do Estado, a fim de garantir a promoção da saúde e a prevenção das doenças através da adopção de medidas concretas capazes de poderem reduzir factores de risco reconhecidos como tal. Atribuía particular destaque à Educação, à Agricultura, Indústria e Ambiente.

Em 1977, Sampaio que integrava o principal órgão dirigente da Organização Mundial da Saúde, participou nos trabalhos preparatórios da Conferência que, no ano seguinte, definiu, na cidade de Alma-Ata, da então URSS, um novo conceito filosófico de Saúde. A participação dos cidadãos e a conjugação de meios mobilizados, dentro e fora do sector da saúde, são as duas componentes essenciais que passaram a ser consideradas na nova abordagem. O antigo Posto Médico dava luga ao Centro de Saúde onde médicos, enfermeiros e técnicos de higiene e saúde ambiental, apoiados por elementos administrativos, estabelecem uma relação de colaboração activa com indivíduos e famílias dando relevo à participação da Câmara Municipal e dos sectores da educação e segurança social na área da saúde.

O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, o mais velho dos dois filhos de Arnaldo Sampaio, ao visitar o Centro de Saúde de Mértola, em Abril de 1996, lembrou que seu Pai costumava dizer-lhe quando era por ele acompanhado na visita a unidades de saúde: “Não te preocupes em demasiado com os edifícios, se são novos ou velhos. Preocupa-te, sim, com quem lá trabalha, se estão lá, se trabalham, se têm ligações às pessoas, se as pessoas os reconhecem como seus médicos ou seus enfermeiros, se têm carinho com eles, se a unidade funciona lá por dentro. Porque por fora têm pouca importância”.

Sem dúvida que Jorge Sampaio, em visita oficial como Presidente, ao citar seu Pai pretendia realçar a importância em se imprimir elevados padrões de qualidade (centrados na humanização dos serviços) decorrentes do empenho de cada membro que integra a equipa de saúde.

Arnaldo Sampaio foi investigador, professor e director-geral da Saúde entre 1972 e 1978. O seu nome ficará para sempre ligado ao Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, à Escola Nacional de Saúde Pública e à Direcção-Geral da Saúde.

Ainda hoje o seu mandato como Director-Geral é recordado e citado como exemplo. É esse exemplo que constitui um permanente desafio para quem lá exerce funções e especialmente para aqueles que cumprem posições dirigentes.

Conheci pessoalmente Arnaldo Sampaio, foi meu mestre. Amigo também. Trabalhei sob a sua direcção quando fui nomeado Delegado de Saúde no concelho de Cuba, em 1976. Posso, por isso, testemunhar a sua dedicação ao desenvolvimento da Saúde Pública em Portugal. Foi ele que geriu o primeiro Programa de Vacinação administrado gratuitamente a todas as crianças. Um sucesso inquestionável.

Francisco George

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(1) Baseado num artigo escrito pelo Autor para o “Diário do Alentejo”  e publicado em 6 de Fevereiro de 1998.

Francisco Cambournac. Professor de Medicina Topical

Foram muitas as figuras que marcaram a Medicina Portuguesa no século XX. Nesta galeria de médicos, há que reconhecer os trabalhos de Francisco Cambournac (1903-1994) que colocaram a Saúde Pública Tropical em patamar de elevada qualidade quer a nível nacional quer internacional. A sua vida foi exemplar em múltiplos planos, em muitas dimensões. Antes de mais pela forma como conduziu a eliminação do paludismo em Portugal, mas, também, como ensinou sucessivas gerações de especialistas e, sobretudo, como representou o seu País na Organização Mundial da Saúde, em particular como Director de África eleito por duas vezes.

Conheci-o muito bem. Já aposentado. Tinha ultrapassado os 80 anos de idade. Foi em Bissau, em 1983. Antes, só de nome e como referência. Como símbolo.

Infelizmente, Francisco Cambournac não era muito conhecido em Portugal. Fenómeno quase incompreensível quando comparado com a notoriedade que outros colegas seus adquiriram na mesma época. Um dia, a título de justificação, sua Filha, Graça Cambournac, explicou-me que Salazar não gostava dele porque os princípios que guiaram a sua acção como Director em África eram distantes da política colonial do regime. Aliás, a segunda vez que Cambournac foi eleito para director regional da OMS (sublinho eleito pelos países africanos) recebeu os votos dos novos Estados que recentemente tinham conquistado a independência.

Foi muitas vezes a Bissau. Colaborava, apoiava, transmitia energia, comunicava o seu saber e as suas experiências. Conversar com ele era fascinante. Um imenso prazer. Estar com ele no gabinete, à mesa, no mato ou a participar num curso sobre diagnóstico laboratorial de paludismo eram momentos únicos. Eu redobrava a minha atenção para o ouvir. Tinha a preocupação de nunca mais esquecer. Aprendia sempre muito.

Ainda hoje, na DGS, quando se discute um assunto de interesse em medicina tropical utilizo os seus ensinamentos. Muitas vezes tenho o cuidado de o citar. Assim aconteceu com a “crise” do West Nile no Algarve em 2003, com o caso da portuguesa de Leiria que morreu de paludismo sem nunca ter saído do Continente, com a criação do sistema de vigilância das populações de vectores, com os efeitos em saúde pública que decorrem das alterações climáticas, etc.

Quando me pedem para descrever o Professor costumo recorrer a episódios que testemunhei e que ajudam a desenhar com mais nitidez o seu perfil. Por exemplo, relato com grande brilho que Cambournac tinha um óculo desdobrável na bolsa destinada ao relógio que antigamente as calças tinham. Ao andar no mato, de quando em vez, parava, puxava da luneta e de muito longe identificava uma ave, um réptil ou uma planta perdida na paisagem. Classificava fauna e flora em géneros, famílias e espécies com os respectivos nomes em latim com a precisão própria de um biólogo eminente. Eram banais as manifestações do seu enorme saber muito para além da Medicina. Demonstrações que eram naturais para ele e que as revelava sem exibicionismo. Cambournac tinha prazer em aprofundar os seus conhecimentos em muitas disciplinas científicas e, seguramente, sentia necessidade de os aplicar na prática. Era um sábio, pensava eu com frequência.

Uma outra altura, ao jantar, também em Bissau, Cambournac contou-me que a seguir à II Grande Guerra, logo depois da Organização Mundial da Saúde ter sido criada em 1948, foi incumbido de preparar um relatório para propor uma capital Africana para acolher a instalação da sede regional da OMS. Descrevia com detalhe e com visível orgulho esta sua missão. No final das visitas efectuadas, apontou Brazzaville, no antigo Congo Francês, porque concluiu que era a cidade com padrão de vida mais humanista onde não existiam sinais chocantes de apartheid, ao contrário, por exemplo, de outras grandes cidades anglófonas como Nairobi. O seu relatório foi decisivo na opção de Brazzaville. A Sede foi, então, instalada no alto de uma colina nos arredores da cidade, no Haut de Joué. As antigas casas que tinham sido projectadas para residência dos engenheiros da barragem que ali os franceses construíram, foram adequadamente adaptadas e aproveitadas. Ainda bem que assim aconteceu, não só pelas boas infra-estruturas, mas, sobretudo, pela vista panorâmica deslumbrante sobre os rápidos do imenso rio Congo.

Para Cambournac o paludismo (ou malária para os anglo-saxónicos) constituía o principal problema de saúde pública. Sabia tudo sobre o vector, sobre as espécies dos protozoários agentes da doença e, naturalmente, sobre os aspectos clínicos. Era um respeitado paludólogo. Aliás, à época, tal como ele, muitos dirigentes da OMS eram paludólogos, nomeadamente o brasileiro Marcolino Gomes Candau (1911-1983) que foi Director-Geral entre 1953-1973 e com quem Francisco Cambournac trabalhou de perto.

Em 1978, Cambournac foi distinguido pela OMS com o Prémio da Fundação Leon Bernard pelos contributos que deu para a prevenção e controlo das doenças endémicas tropicais, mas também pela forma como ajudou a erguer a OMS em África, certamente a mais necessitada de todas as regiões do Globo no domínio da Saúde Pública.

Francisco George
Verão de 2012

Textos de Saúde Pública

Prefácio | Manual editado pela Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde
Laura Ayres: testemunho de um discípulo
O Tempo Depois
A Large Outbreak of Legionnaires Disease

Dor na Criança
Discurso no Infarmed em 29 de julho de 2011

Sobre a Evolução da Saúde Pública
Sobre o Centro Champalimaud

Dia Mundial da Saúde 2009

Proatividade e Participação em Saúde Pública

Gripe: Presente e Futuro
Futuro da Saúde em Portugal
Carta Aberta do Diretor-Geral da Saúde
Nova Saúde Pública
A Pneumónica
Sobre Baltazar Rebelo de Sousa – Um testemunho
Olhar para trás & para diante
Dia Mundial da SIDA
Festejar 37 anos de SNS
A Saúde Pública de Hoje
Saúde Pública Portugal
O futebol é um jogo!
“Retalhos da vida de um médico” – Posfácio à Edição de 2016
Sobre interromper a gravidez
Gravidez de Baixo Risco  
Violência Interpessoal – Prefácio
Sobre a epidemia de Ébola
40 Anos Antes
Prefácio (Livro sobre Diabetes)
Primeiro apontamento sobre o SICO
História da Gripe
Sobre Albino Aroso
Sobre a Globalização
João Ferraz de Macedo, o Primeiro Diretor-Geral da Saúde
Prefácio (Prevenção do Suicídio)
Prefácio (Tabagismo)
Uma Semana Boa para a Saúde Pública
Nota sobre a DGS
Prefácio (Preferências e Locais de Morte)
Sobre diferenças de género na esperança de viver
Prefácio (Alimentação Saudável)
Causas de Morte em Portugal e Desafios na Prevenção
Prefácio (Livro sobre Comportamentos de Saúde Infanto-Juvenis)
Reforma da Saúde Pública
Nota sobre Mortalidade Infantil
NCD
Sobre a sustentabilidade
Sobre Determinantes da Saúde
Cuidados de Proximidade em Doenças Crónicas
Prefácio (Livro sobre o ISAAC)
Sobre o Stress
Nota sobre a redução de riscos evitáveis
11 de Setembro / Nova Saúde Pública
Sobre o Conceito de Saúde Pública
Prefácio (Livro sobre Doenças Raras)
Sobre a Gripe A
Gripe A(H1N1)2009
Carta para a criança da escola
Lisboa 1957. Lisboa 2008

África 1980 – Primeira Aventura

Foi em Outubro de 1980 que, pela primeira vez, aterrei em África. Com excepção de Ceuta, nunca tinha estado no Continente a que, todos nós, estamos tão ligados desde o tempo da fundação, dos Mouros e por aí fora. Séculos.

A Organização Mundial da Saúde tem a sua sede Africana em Brazzaville, capital da República do Congo (ex-colónia francesa). Ocupa as antigas casas dos engenheiros que construíram a grande barragem hidráulica no Haut de Joué, a cerca de 12 quilómetros do centro da Cidade.

Brazzaville, na época, era pequena. Sobressaía o ambiente tropical típico. Curiosamente, o magnífico rio Congo separa-a de Kinshasa, mesmo em frente, na outra margem, capital do então Zaire, ex Congo-Belga (actual República Democrática do Congo). Julgo que não haverá outro exemplo como este em que a geografia política juntou duas capitais de diferentes países que se olham, assim, face a face e de tão perto. Mas, se é verdade que a distância física é muito curta, em 1980 os dois Congos eram governados de forma bem diferente. Do lado de Brazzaville um regime “popular” conduzido por Denis Nguesso, na esfera de influência Soviética e do outro impunha-se a ditadura de Mobutu que se auto-intitulava o “pai da nação”.

As primeiras semanas foram aqui vividas. Todas as manhãs o autocarro da OMS fazia a ronda pelos hotéis para recolher os consultores que iriam trabalhar no Haut de Joué. Eu estava hospedado no Hotel Cosmos junto ao cais das barcaças e canoas que faziam a travessia do rio entre as duas margens. O apertado sistema de fronteiras, antes e depois do embarque e ao desembarcarem gerava algazarra com frequência. Apesar do ruído, os quartos do “coté fleuve” compensavam, uma vez que tinham uma vista soberba sobre Kinshasa.

Num dos primeiros dias, só, sem conhecer ninguém, resolvi sair depois do jantar. Foi a primeira grande aventura. Algumas centenas de metros depois de ter saído, ao caminhar em direcção ao centro, inesperadamente, três milicianos das brigadas revolucionárias, bem armados, com metralhadoras e balas em cinturões cruzados ao peito, escondidos nos ramos de uma enorme mangueira, saltaram e interpelam-me com determinação. Pediram-me a identificação e em tom decidido explicaram-me que estavam em missão de vigilância revolucionária, ao serviço do Governo do “Camarada Presidente” para impedir a entrada de indesejáveis no País. Naturalmente, fiquei em pânico, imaginei logo uma cena terrível. Em poucos instantes vi a minha vida numa imensa confusão. Percebi riscos iminentes. Sabia que não tinha passaporte comigo nem qualquer identificação (tinha entregue a documentação nos serviços da OMS para procedimentos administrativos).

Perante tamanho susto resolvi arriscar com força. Expliquei que compreendia aquelas acções devido a razões de segurança interna e que reconhecia a necessidade de defenderem o País. Disse que era médico e que, como funcionário da OMS, eles teriam que me respeitar ao abrigo dos acordos internacionais. Eles insistiam que eu tinha que provar a minha condição de médico e de explicar a razão de andar sem identificação… Foi então que me lembrei de apresentar a seguinte proposta: um deles acompanhar-me-ia à recepção do Hotel para consultar a minha ficha de registo preenchida à entrada. Assim sucedeu. Dois deles lá foram comigo e, em dialecto local, exigiram na recepção saber de mim, do número do meu passaporte, do dia da chegada, do voo que fizera, etc. Viram que a reserva tinha sido feita pelos serviços da OMS. Fiquei mais tranquilo. Apesar disso, foram inspeccionar o meu quarto e as minhas malas. Tudo verificaram. Examinaram minuciosamente livros e apontamentos. Observaram com lentidão papel a papel.

Pelas 2 horas da manhã acabaram o trabalho deles. Eu, nem sabia o que, no mês seguinte, me esperaria…

Francisco George
Verão 2011

 

África 1980 – Segunda Aventura

Em 1980 fui colocado em Bissau, no âmbito do recrutamento como novo membro do staff da OMS, depois de terminados os procedimentos administrativos e de informação técnica na Sede Regional em Brazzaville.

A chegada à Guiné-Bissau foi tranquila. O Escritório da OMS tinha como Representante o médico de nacionalidade espanhola Garcia Morilla. A correspondência quer com Genebra quer com Brazzaville era assegurada pelo serviço semanal de Mala Diplomática. Para além disso, só telegramas através dos Correios garantiam ligações rápidas, uma vez que, na altura, não se podia contar com telefones.

Garcia Morilla estava muito perto de atingir a idade da aposentação que era de 62 anos. O calendário de folhas soltas em cima da sua secretária tinha a enumeração decrescente até ao seu último dia de trabalho. Quando o encontrei pela primeira vez faltavam 421 dias, no dia a seguir diminuiu para 420, depois 419 e assim por diante. Invariavelmente, todos os dias pela manhã, mostrava-me a folha correspondente com assinalável satisfação ao verificar que a distância ia ficando cada vez mais encurtada. Ausentava-se com frequência para se deslocar a Cabo Verde, visto que a Representação assegurava a cobertura dos dois Estados, politicamente ligados desde o tempo da Luta de Libertação conduzida pelo PAIGC.

O dia 14 de Novembro de 1980 foi igual aos anteriores até à hora do jantar. Depois, foi bem diferente como se verá. Julgo que Morilla estaria em Cabo Verde.

Como habitualmente, jantei no “Hotel 24 de Setembro” (antiga messe de oficiais do Quartel General do tempo colonial). Muitos cooperantes, mesmo os que não ficavam nem  jantavam no Hotel, concentravam-se na magnífica esplanada a fim de tomarem café ao ar livre e, sobretudo para a conversa. Discutiam-se temas sobre o desenvolvimento, sobre política Africana e, naturalmente, sobre Portugal da AD de Sá Carneiro.

Ora, pelas nove da noite, repentinamente, ouvem-se uns ruídos, percebem-se correrias, pessoas espantadas, muito assustadas e, de forma inesperada, surgem grupos de militares rebeldes que montam uma metralhadora pesada no centro da esplanada. Logo de seguida, o Comandante dá ordem para todos levantarem as mãos. Momentos depois estavam todos os guineenses e cooperantes, incluindo eu, com mãos ao alto, surpreendidos, sem sabermos o que se seguia. Todos nós compreendemos, rapidamente, que eram manobras integradas num golpe para derrubar o Presidente Luís Cabral. No meio deste cenário, surge o gerente do hotel a pedir ao chefe dos revoltosos para os clientes pagarem as respectivas contas. É então que é dada nova ordem: “Todos pagam primeiro as dívidas do café e logo depois voltam a levantar as mãos”…

A situação, apesar de caricata, foi apagada pelo medo generalizado. Medo misturado com a esperança de um futuro melhor.

Era o Movimento de Nino Vieira. Afinal, o grande herói da Luta que todos admiravam e respeitavam. A confiança era imensa. Julgavam que a pobreza podia ser combatida como Nino fizera contra o exército de Spínola. Era agora que o País iria para a frente, pensaram muitos.

Voltando à esplanada. Depois das contas pagas, todos ergueram de novo os braços. Cerca de meia hora depois, os soldados rebeldes às ordens de Nino Vieira mandam todos para os quartos. Acontece que muitos dos que ali estavam não tinham alojamento no hotel. Era essa, aliás, a minha situação. Olhei em redor para ver se conhecia alguém. Resolvi, então, pedir a um cooperante português que me deixasse ficar no quarto dele. Nada levava comigo. Já no quarto do António Manuel Reis que eu acabara de conhecer, resolvemos proteger as janelas com almofadas. Durante a noite os sons de tiros de canhão que tudo faziam estremecer, aumentavam a nossa ansiedade.
A manhã seguinte foi, pelo contrário, de alegria generalizada perante a confirmação do sucesso da operação rebelde. Luís Cabral, deposto e expulso, deu lugar a um Conselho da Revolução. O próprio Nino Vieira apresentou os membros do Conselho num grande comício que promoveu na Praça do Império cinco dias depois. Assisti a esta manifestação, genuinamente popular, a lembrar-me do nosso Primeiro de Maio em 1974.

Hoje, trinta anos passados, temos que reconhecer, a construção de um Estado de Direito, regido por princípios democráticos, é um processo ainda inacabado.

Francisco George
Verão de 2011

África 1980 – Terceira Aventura

Em 1980, o dia-a-dia em Bissau era ainda muito influenciado pela Luta de Libertação que os guerrilheiros do PAIGC tinham conduzido com sucesso até à Proclamação da Independência em 24 de Setembro de 1973.

Essa Proclamação teve lugar em pleno mato numa região libertada nas Colinas do Boé, poucos meses depois de Amílcar Cabral ter sido assassinado em Conacry e, portanto, pouco tempo antes dos capitães terem derrubado o regime de Marcelo Caetano em Portugal.

Um dia, logo no primeiro domingo da minha nova vida em Bissau, resolvi ir ao “mato profundo”. Não possuía essa experiência. Não tinha sido mobilizado no tempo colonial. Aliás, antes, nunca tinha estado em África. Resolvi, então, ir ver como teria sido. Afigurar cenários de guerra e no próprio local tentar pensar no heroísmo dos soldados que lutaram em lados opostos uns contra os outros. Era uma espécie de homenagem que pretendia viver apenas comigo próprio. Intimamente.

Nesse domingo de Outubro saí da capital pela estrada de Safim, depois Nhacra e por fim Mansoa e Farim. O Renault 4L que me fora distribuído pela Representação da OMS lá fez o percurso sem qualquer problema. A primeira visita foi à antiga parada de um aquartelamento das forças Portuguesas em Nhacra. Era uma zona de transição e segundo me garantiram muito segura e tranquila mesmo na fase mais intensa da Guerra. Sentei-me debaixo de um grande mangueiro a imaginar o ambiente cinco anos antes. Comecei a sentir o que teria sido o imenso esforço dos soldados Portugueses perante condições tão adversas. O inferno do calor, a humidade elevada, a ausência de conforto dos pavilhões improvisados, associados às saudades geradas pelo afastamento e pelo stress de guerra teria sido muito difícil, concluía eu rapidamente. Não tinha passado meia hora já eu estava decidido a mudar de sítio, à procura de melhores condições… Meia hora. Mas quantas meias horas sem outras alternativas terão sido vividas pelos soldados?

A seguir, já depois de Mansoa, sempre guiado por um ex-combantente de etnia Mandinga que estava visivelmente orgulhoso por receber um cidadão Português na sua morança, fui visitar o local onde Simão Mendes, lendário enfermeiro e guerrilheiro, tinha sido morto em acção. Voltei a concentrar o meu pensamento na admiração que deve ser prestada aos que dão a vida pela libertação da Pátria. A todos. É verdade que as lendas só enaltecem alguns heróis. O nome dele, depois da Independência, foi dado ao Hospital Central de Bissau.

A memória do Herói foi, assim, avivada para sempre. Compreende-se.

Senti o respeito devido a todos os que morrem a lutar por causas.

Mais tarde, em 2004, vivi a mesma sensação ao visitar as praias da Normandia. Nas areias onde tinham desembarcado, sessenta anos antes, a 6 de Junho de 1944, tantos heróis que viriam a morrer para libertarem a Europa.

Francisco George
Lisboa, 2012

África 1980 – Quarta Aventura

Com início súbito, a praga de grilos em Bissau era cíclica. Em Outubro, repentinamente, de um dia para o outro, os grilos apareciam por todo o lado na capital guineense. Movimentavam-se sobretudo de noite.

Eram imensos, milhares, provavelmente muitos milhões de grilos que cantavam o famoso cricri próprio dos machos ao pretenderem cortejar as fêmeas.

Logo depois do início do aparecimento dos primeiros grilos, o fenómeno aumentava nos dias seguintes com proporções gigantescas. À noite, as luzes urbanas atraíam mais e mais grilos. Então, o bem iluminado Palácio do Presidente da República trocava a cor rosa original das paredes pelo negro dos grilos. Onde havia luz, amontoavam-se, sobretudo junto e debaixo dos candeeiros.

A verdade é que entravam por todo o lado. Estavam em todo o lado. Quer dentro, quer fora de casa era obrigatório conviver com eles. À hora das refeições era habitual saltarem para a mesa. Era, também, impossível dormir sem grilos no quarto. Saltavam e cantavam a toda a hora. Um inferno nocturno. Nessa época era difícil dormir com tranquilidade.

Pela manhã, os carros rodavam nas ruas ao som do estalar dos grilos que pavimentavam os arruamentos do centro da cidade.

Ao fim de alguns dias desapareciam.

Tudo isto era absolutamente inacreditável. Um mistério.

Naturalmente, lembrava-me do meu tempo de criança, nos anos 50, em Campo de Ourique. Minha Mãe, a caminho do Jardim da Estrela, com os filhos pela mão, costumava parar na florista da Ferreira Borges para comprar uma gaiola com grilos.

Aquelas gaiolas eram concebidas, sempre da mesma maneira, artesanal, em forma de cubo com paredes de arame e base e “telhado” de madeira avermelhada umas vezes e outras pintadas a amarelo. Em regra eram bem ornamentadas e sempre com o mesmo design típico.

Não me lembro do preço, mas o conjunto da gaiola, do grilo e da inevitável folha de alface compensava, estou certo, pela felicidade que motivava em nós. Um dia era para mim e na semana seguinte para o meu irmão gémeo. O grilo era um animal de estimação. O canto era muito apreciado.

Quem diria que, mais de 30 anos depois, em Bissau, viria a testemunhar aquele espantoso evento forçado pela Natureza e que impunha o convívio, inevitável, com tantos grilos.

Francisco George
Lisboa, Dezembro de 2012

O avião que pegou de empurrão – Quinta Aventura

Em 1983 as dificuldades nas ligações entre as várias regiões da Guiné-Bissau eram, ainda, imensas. Ir de uma localidade a outra impunha, quase sempre, cuidadosa e justificada preparação. O clima ditava escolhas e condicionava a programação, sobretudo no que se referia à estimativa de horas necessárias para as viagens.

Ora, como no início da estação das chuvas daquele ano, estavam previstas iniciativas de avaliação do Programa de Vacinação que decorria no Sul, era preciso planear meticulosamente o trabalho de campo e escolher os transportes mais apropriados.

Na Guiné Independente, o primeiro Governo do PAIGC tinha criado uma pista em Catió para os aviões da companhia aérea guineense poderem aterrar em regime de escala, nos voos regulares entre Bissau e Conacry. A construção do “aeroporto” tinha sido uma espécie de homenagem às populações das tabancas de Tombali que tinham participado na Luta. Era considerada uma medida para reduzir os efeitos do isolamento. A pista, rudimentar, sem torre nem comunicações, não dispunha mesmo de qualquer abrigo a imitar uma aerogare.

O espectáculo era sempre constante: o avião DAKOTA aterrava depois de sobrevoar a pista para afastar o gado. Logo a seguir uns passageiros saíam, enquanto outros esperavam junto a uma balança colocada à entrada do porão a fim de pesarem as respetivas bagagens. Mais à frente, alinhava-se a fila de espera para o embarque na aeronave.

Quando acabou a visita de avaliação, acompanhado pela minha Colega pediatra, Clotilde Silva, no final de uma semana fora de casa, fomos ao encontro do voo que em meia-hora ligava Catió a Bissau. Os nossos bilhetes tinham sido previamente adquiridos e os lugares estavam garantidos. Já no local reservado ao embarque, surgiu, à hora prevista, o avião que viria a aterrar sem animais na pista.

Passados os habituais procedimentos, entrei no avião pela escada da frente que dava acesso ao corredor central. Ao todo seriam cerca de 50 passageiros que completavam a lotação. Ocupei o meu lugar ao lado da minha Colega, ansioso por voltar a casa. Já com a porta fechada, o Comandante Pombo e o co-piloto tentavam, sem sucesso, ligar o motor do DAKOTA. As hélices permaneciam teimosamente paradas. A ignição não funcionava. É então que o Comandante se levanta e pede a alguns passageiros para saírem e empurrarem o avião (tal como se faz aos automóveis quando a bateria falha). Lá fui com mais cinco. Imediatamente depois dos primeiros metros do empurrão, o motor pegou sem outros aparentes problemas.

Voltamos a entrar e já de novo com a porta fechada, a minha Colega vira-se para mim e com assinalável espanto perguntou-me:
– Francisco, tu vais? Viajas para Bissau num avião que pegou de empurrão?
– Eu cá não, respondeu ela com firmeza.

Sem a demover, expliquei que eu iria ver a família, uma vez que estavam à minha espera e que uma semana longe de casa era muito tempo. Disse-lhe, também, que por terra a viagem era muito longa e ainda mais arriscada, mesmo em jeep.

Imediatamente depois das minhas palavras, Clotilde saiu do avião.
Quando cheguei a casa, relatei, com emoção, a aventura à família. Nessa mesma noite, durante um convívio de cooperantes Portugueses, voltei à mesma história que provocou rasgados risos. Mas, para meu espanto, ninguém acreditou…

Francisco George
Verão, 2013

Memórias dos Anos 60 – Guerras Coloniais (I)

A vida política dos anos 60, em Portugal, é marcada por acontecimentos inesquecíveis. Governava, então, António Oliveira Salazar e a partir de 1968 Marcelo Caetano. A emergência das guerras coloniais por um lado e os movimentos oposicionistas (tal como as lutas académicas) por outro, assinalam esse período. Aqui ficam retratados alguns desses episódios.
Em janeiro de 1960, a fuga de Álvaro Cunhal da prisão de Peniche e, um ano depois, o assalto ao paquete Santa Maria por Henrique Galvão embaraçam o regime de Salazar. A simpatia e apoio generalizado, incluindo a nível internacional, daqueles acontecimentos, iriam abalar o regime. Abalos e mais abalos suceder-se-iam.

No final de 1961, a descolonização iria ter início. Tudo começou com o rápido desaparecimento do Estado da Índia de Goa, Damão e Diu. Entre 17 e 19 de dezembro, a bandeira Portuguesa fora substituída pela Indiana quando as tropas de Nehru invadiram, com sucesso natural, aqueles territórios. Salazar envia telegramas para a guarnição não se render. Insiste que o reduzido contingente devia lutar até à morte. Mas, ao contrário das instruções recebidas, os chefes militares portugueses aí destacados (nomeadamente Manuel Vassalo e Silva) decidem, sensatamente, a rendição incondicional.

Salazar interpreta os acontecimentos “antipatrióticos” na então Assembleia Nacional em alocução que, no entanto, não consegue ler devido ao seu estado emocional, motivo pelo qual entregou o microfone a Mário de Figueiredo. Lembro-me bem dessa transmissão difundida em direto pela Emissora Nacional que foi iniciada com a voz rouca inconfundível de Salazar e pouco depois pelo Presidente da Assembleia que acabou o discurso em seu nome.

O Império ficaria ameaçado para sempre.

Poucos dias depois, na madrugada de 1 de janeiro de 1962 o quartel de Infantaria de Beja é assaltado por Varela Gomes sob o comando estratégico de Humberto Delgado que se encontrava refugiado ali bem perto, em Vila de Frades (Vidigueira), em abrigo organizado por José Luís Conceição Silva. Na ocasião, é abatido a tiro, à entrada da porta de armas do quartel o subsecretário de Estado do Governo de Salazar. A operação, apesar do insucesso para os Revoltosos, elevou níveis de esperança para a Oposição. Varela Gomes é ferido e detido. Delgado foge.

As celebrações do Dia do Estudante em 1962 são reprimidas. Repetem-se cargas policiais e multiplicam-se as prisões em Caxias.

Em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau emergiram movimentos de Libertação. Os guerrilheiros são apoiados por muitos países. As lutas pela independência constituem acesas frentes de combate que a Imprensa oficial classifica de mero “policiamento”.

Em Lisboa, na Casa de Estudantes do Império, ao Arco do Cego, líderes dos movimentos Africanos articulam-se com a Oposição Portuguesa.

São muitos os que simpatizam com a ideia da independência das Colónias. São muitos os Portugueses que se manifestam contra a Guerra.

A repressão em Portugal aumenta. Notáveis intelectuais, artistas e académicos são perseguidos ou presos. Muitos decidem emigrar. É tempo do “salto” para França. A censura impede a expressão do pensamento de artistas, escritores e de políticos.

A 13 de fevereiro de 1965 Humberto Delgado é assassinado por agentes da PIDE numa localidade próxima de Badajoz.

Porém, as proibições impostas pela força policial que impossibilitaram direitos básicos aos portugueses não são comparáveis à situação então vivida nas Colónias. Ainda hoje, existe um estranho silêncio sobre esta questão. Sublinho, estranho silêncio. Os oposicionistas assassinados pela Ditadura, durante os anos 60, não se limitam a Catarina Eufémia (antes, em 1954), Dias Coelho (1961) ou Delgado (1965) mortos no Continente. Foram milhares os cidadãos assassinados na sequência de barbaridades consentidas pelas Autoridades Coloniais. Foram perseguidos, presos, espancados sem qualquer defesa, sem julgamento, uma vez que, na época, a Justiça era para colonos e colonizadores.

Salazar cai da cadeira em 1968. No ano seguinte Marcelo enfrenta a crise académica de Coimbra. Tenta “abrir” o regime, mas sem êxito.

Marcelo Caetano não acompanhou o sentido da História. A inevitabilidade da Independência das Colónias. As descrições no seu “Depoimento” (escrito no exílio depois de 1974) fazem transparecer a ideologia retrógrada e inflexível.

Francisco George
Verão, 2015